Corpo do artigo
António Costa não é tipo para estados de alma, como não me tenho cansado de dizer aqui. Pelo contrário, onde existiam estados de alma e inteligência emotiva em Sócrates, aqui floresce alegremente um desalmado (no sentido "agustiano" do termo) numa inteligência gelada e oportunista. Se quisesse parafrasear José Sócrates, diria que Costa é o líder com que o PS e a esquerda radical sempre sonharam depois da ocupação do Estado pós-revolucionário entre 1976 e 1978. Desprovido dos maneirismos estritamente jacobinos e anacrónicos da I República - adora carros eléctricos, cartões "simplex" e energia verde-alface -, Costa é a melhor emanação do típico cacique do velho Partido Republicano Português. E o melhor clone político-partidário do doutor Afonso Costa. Quando ele apareceu, em 2015, não era difícil intuir que não nos íamos livrar dele muito cedo. A Direita subestimou-o e, também por isso, ele permite-se tratá-la com o mesmo desdém e com a mesma violência verbal dos "democráticos" do seu precursor. Sobre este possui, ainda por cima, a vantagem de não ser fisicamente cobarde. De resto, desde que foi empossado com maioria absoluta, há nove meses, que exerce sobre o país uma espécie de "ditadura democrática", como a longa entrevista concedida à revista "Visão" deixou transparecer com notável clareza e sem ambiguidades. Costa não tem propriamente uma "obra" para exibir, a não ser a extraordinária manipulação dos dinheiros públicos e comunitários que lhe vêm caindo no colo como cerejas e que atira ao "povo" como rosas. Costa não está lá para mudar o regime ou proceder a reformas, como Soares teve de fazer nos anos 70 e 80. Ou Sócrates, quando o tentou com a primeira maioria. Parece que até na regionalização tenciona contornar a chatice de ter de ouvir o "povo", com uma solução administrativa que consolide o poder caciqueiro e oligárquico do PS. Pratica a caridadezinha orçamental, distribuindo bodas selectivas aos "pobres", transformando esses exercícios circunstanciais num bolo-rei permanente, com fava e brinde. Quando aborda política pura, como na dita entrevista, não resiste ao discurso de cabaret da coxa, aliás genialmente ilustrado na fotografia de capa da revista. Diz-se do lado do "povo" contra a "bolha mediática", estando perfeitamente ciente de que não toca em nada de profundo que evite a proletarização das classes médias e a pauperização material, moral e cultural do dito "povo" em sentido amplo. "Nasceu" cansado para gerir esta maioria, salvo na propaganda reles, uma coisa que nem a sua insuportável arrogância semântica, nem a falta de sono conseguem disfarçar. Lamento. Para "viver habitualmente", já tivemos o doutor Salazar, obrigadinho. Não, não me habituo.
*Jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia