Ainda sem ter completado um ano de mandato, o Governo saído das últimas eleições legislativas com uma maioria absoluta tem sido marcado por sucessivos escândalos.
Mês após mês, repetem-se as saídas de membros do Governo. Os episódios são tantos e de gravidade tão assinalável, que não colhe, de modo algum, o argumento ensaiado pelo primeiro-ministro, António Costa, de que estes casos são fabricações da Oposição, da Comunicação Social ou de comentadores.
Depois de ser público o pagamento imoral de uma indemnização milionária por uma empresa detida pelo Estado, que foi intervencionada e que tem procedido a inúmeros despedimentos, a consequência - para já - foi a saída do ministro Pedro Nuno Santos. Há, porém, ainda muitas explicações por dar. E as declarações vindas do Partido Socialista mostraram o que está realmente em causa.
As reações mais coléricas de destacados militantes socialistas colocaram em evidência que o seu choque não está na forma displicente e irresponsável como tem sido gerido o dinheiro dos contribuintes. A indignação mais veemente está no impacto que esta saída poderá ter na guerra fratricida pela sucessão no Partido Socialista. As disputas internas de liderança são normais, o que já não é aceitável é quando estas condicionam por completo a ação e as omissões do Governo.
Enquanto se entretêm as hostes socialistas nos apoios ou ataques ao seu delfim preferido ou putativo adversário à sucessão de Costa, há um país à espera. Um país onde as pessoas vivem com crescentes dificuldades para suportar as despesas essenciais, para suprir as suas necessidades básicas. Um país onde as pessoas desesperam pelo acesso a cuidados de saúde, em filas nos centros de saúde, nas urgências hospitalares ou na procura de uma consulta que tarda em chegar. Um país onde as pessoas receiam a chegada do novo ano com a escalada brutal dos preços de bens essenciais e nas já anunciadas subidas das prestações das casas. Um país onde se continua a pagar miseravelmente a classes tão importantes para a sociedade, como polícias, professores, enfermeiros, médicos, entre muitas outras, mas que assiste ao desbaratar de dinheiros públicos em pavilhões que não existem ou em indemnizações astronómicas a quem, meia dúzia de meses depois, vem a exercer funções governativas.
A um Governo reforçado em urnas por uma maioria absoluta exigir-se-ia ímpeto reformista para transformar o país. Mas ao invés das reformas estruturais, aquilo a que temos assistido é apenas a remodelações governamentais e à gestão do dia a dia. É um Governo desfocado dos principais problemas do país. Portugal merecia mais.
*Jurista
