Nas últimas semanas, o país político consumiu a agenda mediática com discussões sobre temas tão dispersos como a introdução de uma licença menstrual, a semana de trabalho de quatro dias, a eliminação (total ou parcial) de uma ciclovia em Lisboa e o encerramento ao trânsito de uma das avenidas também da capital.
Não é fácil arranjar um elo entre cada uma destas temáticas, concluirei apenas que estão longe de responder e corresponder àqueles que são os maiores desafios e dificuldades que os portugueses enfrentam diariamente.
Esta dissonância entre a bolha político-mediática e o "resto" do que se passa no país ajuda a explicar grande parte do desalento e afastamento em relação à política.
Na verdade, finalmente nos últimos dias, parece ter havido a perceção de que o país não está bem. Como que num despertar coletivo para a realidade, é hoje evidente que grande parte dos serviços públicos está em colapso ou à beira da rutura. Vejamos apenas três exemplos que demonstram a falência dos serviços do Estado.
Na saúde, a falta de recursos humanos levou ao encerramento de inúmeros serviços de urgência, do Norte ao Sul do país, comprometendo o acesso a cuidados médico-hospitalares. A situação é de tal gravidade, que o Governo já admite recorrer a unidades privadas para fazer face às necessidades da população. Recorde-se que, nos últimos anos, assistimos ao Governo a renegar e rasgar as parcerias com privados, com os resultados dramáticos deste preconceito ideológico, do qual Braga é o exemplo mais flagrante.
Nos aeroportos, depois da precipitada e sucessivamente adiada extinção do SEF, o caos levou a filas e horas intermináveis de espera, situação que se repete ao longo de semanas e que prejudica quem chega a Portugal, mas também a imagem de um país onde o turismo é essencial.
Nos transportes, o mês de junho está a ser marcado por sucessivas e repetidas greves da CP. Ainda em maio, a empresa alertava para "possíveis perturbações em todos os serviços": de facto, não se enganou, é um desafio encontrar um dia em que não haja perturbações nos horários dos comboios.
Olhando para estes e muitos outros exemplos que são sinais de um país com graves problemas estruturais, desde logo, a começar nos seus serviços públicos, é desconcertante o tempo consumido em discussões laterais. Sempre que o fazemos fica o "resto" por discutir, enquanto um qualquer plano de contingência - mais um, sempre mais um - adia, sem perspetivas razoáveis, a sua resolução.
Jurista
