Que Enid Blyton era racista, discriminatória, mulher detestável, e que grande parte dessa ausência de qualidades e de empatia estava patente nos seus livros, todos o sabíamos. Pelo menos aqueles que, na infância e início da adolescência, devoraram os seus livros.
A começar pela coleção de "Os cinco", e acabar na coleção "Mistério"; pelo meio, havia ainda "Os sete", "As gémeas" e "O Colégio das Quatro Torres", sem esquecer o inenarrável Noddy. Da mesma forma, em adultos, devoram a "Amiga genial", da italiana Elena Ferrante. Não são comparáveis, é certo.
Blyton deixou refletidas nas suas obras a época e a sociedade em que vivia. O Mundo mudou, e ainda bem. Mas isso não é motivo para reescrevermos as obras, só porque os termos e os conceitos que a chauvinista e assumidamente racista Enid usou na sua escrita parecem intoleráveis nos dias de hoje. Já o fizeram.
E agora foram mais longe. Não queimaram as edições originais, mas, pelo menos, uma biblioteca inglesa retirou-as das prateleiras. O objetivo é evitar que os mais incautos tropecem em termos pouco convenientes nos dias que correm. Censura ou apenas excesso de zelo? É, enfim, resultado da higienização a alastrar na sociedade atual. Uma espécie de ditadura do politicamente correto: decide por nós, como se cada um não fosse capaz de refletir e vislumbrar o certo e o errado.
A história da boneca negra, de Blyton, lavada até ficar clara, denota racismo, mas também pode provocar no jovem leitor alguma interrogação. E é isso o esperado na leitura. Reescreveram Dahl, Fleming, e já tiraram o cigarro do Lucky Luke. Qualquer dia descobrem Aquilino Ribeiro, e esse autor, maravilhoso e um pouco esquecido, será com certeza lançado às chamas. É misógino. Cancelemo-lo.
*Editora-executiva-adjunta