Não vivemos num país, mas em dois. Uns, é certo, vivem mais num que no outro. E outros há ainda que desconhecem por completo a existência do outro. Existe um país que catapultou o ministro das Finanças para a presidência do Eurogrupo, um economista visto por muitos sem capacidades sequer para liderar as contas nacionais. O país do futebolista a somar troféus de melhor do Mundo e da melodiosa dupla Sobral, que teve o condão de pôr os mais elitistas - recusavam ver ou tinham vergonha de o assumir - a amar o Festival Eurovisão. Impossível, perante tanto sucesso, não acreditar num país assim.
Um país onde num fim de tarde de junho, o verão não havia começado, 64 pessoas foram capturadas pelas chamas de uma tragédia difícil de esquecer, de apagar da memória. Já no outono, e como se fosse um pesadelo de onde todos queríamos acordar, a calamidade do fogo regressaria. Maior ainda, somando mais vítimas às vítimas. E voltou-se a ouvir os mesmos argumentos, as mesmas desculpas - no país do défice mais baixo da democracia, de ovelha negra da Europa - agora um exemplo a ser seguido.
No país que conseguiu o feito de subtrair um dígito na taxa de desemprego - passou de 17 por cento para 8,5 -, embora à custa de muita precariedade e baixos salários, graças às leis laborais que o Governo do PSD-CDS, de Passos Coelho e Paulo Portas, mudou e o atual teima em manter. Há pessoas que dão entrada nos hospitais, para tratamento de enfermidades simples, e morrem: porque o Estado não zela com eficiência pela segurança e higiene dos sistemas de ar condicionado dos seus hospitais.
Vivemos num país que diz promover a ciência, mas interrompe o percurso dos seus investigadores, porque as universidades ficam na penúria, sem verba para lhes pagar. E os deputados, nesse mesmo país, sempre tão divididos e de lados tão opostos, se juntam, e sem dizerem nada a ninguém, aprovam uma lei que serve sobretudo para facilitar a vida aos partidos. É raro, sem dúvida, ver tamanha eficácia quando em causa está a vida dos cidadãos.
Nesta espécie de balanço ressoam as palavras, em Bruxelas, de António Costa: 2017 foi um ano saboroso. O primeiro-ministro pode alegar em sua defesa que a frase foi retirada do contexto, e falava para fora do país. A questão é mesmo essa. Existe um país a falar para fora e o outro país onde se vai vivendo.
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