Ao contrário do que tem sido afirmado por responsáveis governativos, o regime dos impedimentos de contratação com o Estado ou outras pessoas coletivas públicas, constante da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto (na redação dada em 1995) era claro - podendo embora discordar-se dele por ser excessivamente limitativo.
Proibia a celebração, no exercício de atividade de comércio ou indústria, de contratos com o Estado, e demais pessoas coletivas públicas, às empresas detidas em mais de 10% por titular de cargo político, ou por seu cônjuge não separado de pessoas e bens, "ascendentes e descendentes em qualquer grau e os colaterais até ao segundo grau", bem como aquele unido de facto.
A nova lei, ontem publicada no "Diário da República", veio limitar o impedimento, consoante o âmbito do cargo público exercido - não deixando, por esta e por outras razões, de suscitar problemas de clareza.
Seja como for, é claro que a alteração do regime jurídico pelo novo diploma apenas pode valer para o futuro, e não para os contratos anteriormente celebrados.
Pode discutir-se se a lei deveria prever impedimentos tão amplos como fazia a lei de 1993. E também, se, restringindo a atividade comercial, industrial ou a prestação de serviços com quaisquer pessoas coletivas públicas, por quaisquer ascendentes ou descendentes, ou colaterais até ao segundo grau, mesmo sem qualquer relação com o cargo do titular do cargo público em causa, não iria longe de mais, violando mesmo o princípio da proporcionalidade, na restrição dessa liberdade económica.
Num país em que o Estado e as pessoas coletivas públicas são parceiros incontornáveis em muitas atividades económicas, essa restrição pode tornar-se excessiva. A previsão de impedimentos em abstrato, independentemente da verificação de conflitos ou possibilidades de influência indevida em concreto, deve, aliás, limitar-se aos casos em que a defesa da probidade (ou da aparência de probidade) e o risco para a imparcialidade a imponham.
Mas o que já não parece aceitável é que, a pretexto da crítica à lei, ou da deteção do seu sistemático incumprimento (e não só por familiares, mas pelos próprios titulares de cargos públicos), venha subitamente acusar-se de falta de clareza aquilo que não deixava dúvidas.
A discordância, e o eventual incumprimento, devem assumir-se, e não disfarçar-se sob falsas dúvidas de entendimento da lei.
*Professor universitário
