Do Canadá à Coreia do Norte e ao Mediterrâneo do Sul
1. Os tratados internacionais, tal como qualquer acordo ou anúncio de reconciliação entre sujeitos desavindos, não valem por si mesmos nem pela mera circunstância de terem ocorrido. A sua importância é medida pelas expectativas que criaram e, definitivamente, pelos resultados que se revelarem capazes de produzir. Contudo, não deixa de ser surpreendente a discrepância e o ceticismo dos comentários que tem merecido a assinatura da declaração conjunta dos presidentes dos Estados Unidas da América e da Coreia do Norte, em Singapura. Uns deploram a natureza despótica do regime político norte-coreano. Sublinham, outros, a proverbial leviandade dos pronunciamentos de presidente americano. Além de tais evidências, todos concordam, porém, com o mais óbvio: o sucesso do entendimento alcançado, inevitavelmente, ficará na pendência das diligências que se seguirem. Mas, para já, há que reconhecer que estamos perante um triunfo da diplomacia que se deve também, e decisivamente, ao contributo meritório dos esforços de aproximação protagonizados pelos dois governos que dividem a península da Coreia, chefiados, respetivamente, por Kim Jong-un e por Jun Mae-in. E celebremos, assim, a esperança de que este seja um primeiro passo que conduza à paz e à reconciliação entre os seus povos.
2. A Itália é um extraordinário laboratório político que as democracias europeias não têm sabido aproveitar para prevenir os perigos comuns. Do populismo de Berlusconi à tecnocracia de Monti, já experimentaram quase tudo. Enredado nas múltiplas contradições geradas pela ortodoxia europeia ainda dominante, o Partido Democrático desagregou-se e o Governo caiu. Após muitas hesitações, o presidente acabou por acatar os resultados das eleições legislativas e deu posse a um Governo de coligação negociado pelo Movimento Cinco Estrelas - uma formação política antissistema - com os herdeiros dos neofascistas da Liga do Norte, agora designada apenas como a Liga.
O Mediterrâneo foi o cenário escolhido pelo novo Governo para exibir a sua orientação xenófoba e romper com a política de acolhimento de imigrantes e refugiados que a Itália vinha seguindo até aqui, sem prejuízo das críticas e denúncias inteiramente legítimas e pertinentes que desde há muito vem endereçando ao egoísmo e à inação dos seus parceiros europeus. O ministro do Interior, Matteo Salvini, líder do partido da extrema-direita, recusou o desembarque de 629 migrantes - incluindo mulheres grávidas, crianças e doentes a carecer de cuidados urgentes - recolhidos a bordo do Aquarius por uma organização humanitária. Finalmente, depois da recusa da Itália e de Malta, e perante a indiferença da França, o socialista Pedro Sánchez, chefe do Governo espanhol recém-formado, num gesto ousado e solidário, prontificou-se a recebê-los.
3. Enquanto os 629 refugiados navegam rumo ao porto de Valencia, mais a Norte, na Áustria, um Governo coligado com a extrema-direita anunciava o encerramento de sete mesquitas e ao lado, na Alemanha, o Governo da Baviera ordenava a colocação de crucifixos à entrada de todos os edifícios públicos. Na Europa, uns exaltam a atitude exemplar de Espanha, outros trocam acusações de hipocrisia e, na Hungria, Victor Orban, soltou um suspiro de alívio (momentâneo!)... Assim vai o desconcerto do Ocidente. E esta triste Europa, ainda mal refeita da birra do presidente americano que a todo o custo a tenta empurrar para uma guerra contra o Irão, abandonou cabisbaixa a reunião do G7, no Canadá, e continua sem saber para onde ir...
* DEPUTADO DO PS E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL
