Quem já teve de passar pelo momento, doloroso, de "esvaziar" uma casa por força da sua entrega ao senhorio sabe o tempo que perde (ou ganha!) a ver fotos, objetos e a (re)ler textos que nos despertam recordações e impelem a tudo guardar...
Também aconteceu comigo e o que aqui hoje partilho está relacionado com o hábito que criei de dedicar ao 25 de Abril o artigo que mais se aproxima desta inesquecível data.
O meu irmão Henrique, com apenas 16 anos (em 1973) foi expulso do então Liceu D. Manuel II, devido às suas atividades políticas de combate ativo à ditadura. No ano letivo seguinte, apesar de viver em frente a este liceu, a sua matrícula foi impedida, tendo-se aberto a possibilidade de se matricular no então Liceu Nacional Garcia de Orta. De onde foi suspenso em finais de janeiro de 1974. É esse processo que agora "descobri" e que mostra o que era a vida num liceu nos tempos de ditadura. Pelo que recupero e partilho algumas das suas peças. Para que não se esqueça!
No dia 19 de janeiro de 1974, e por pressão dos estudantes, realizou-se uma Reunião Geral de Alunos para discutir diversos problemas do liceu e onde participava o seu reitor - que, considerando-se desautorizado, abandonou a mesma, dando origem a alguma confusão. A suspensão do meu irmão foi justificada do seguinte modo: i) "Ter desautorizado o Excelentíssimo Senhor Reitor deste Liceu" - na verdade, e ao contrário deste, defendeu que na reunião poderiam participar alunos de anos distintos do 7.º ano; ii) "Ter distribuído panfletos no salão de convívio" - panfleto que se intitulava "não à demagogia do Reitor" e que o meu irmão nega ter distribuído; iii) "À frente de um ruidoso grupo de alunos gritou que queria entregar uma "moção" a um elemento da direção deste Liceu" - Moção que, como Delegado de Turma, foi incumbido de a entregar à Direção, e onde se propunha que a reunião de alunos continuasse após o regresso do Reitor.
Suspenso preventivamente (enquanto decorria o processo disciplinar) seguiu-se uma troca de argumentos e tomadas de posição que mostravam o ambiente que se vivia. Diversos professores, numa atitude de coragem, assinaram uma declaração atestando o bom comportamento deste e o seu aproveitamento escolar. Os colegas de turma subscreveram um abaixo-assinado "pedindo ao Senhor Reitor que lhe levante a suspensão preventiva" - abaixo-assinado esse onde uma colega acrescentava uma declaração subscrita por vários outros: "Embora não concorde com certos termos deste abaixo-assinado, formulo o pedido de o meu colega ser reintegrado o mais depressa possível, se se comprometer a voltar como aluno somente, e não tomar parte em certas manifestações que se têm dado cá no liceu, e que eu e muitos alunos da turma consideramos como perturbadores e que não conduzem a nada de positivo")... Meu pai (e não esquecer que meu irmão era menor!), assumiu (também corajosamente, dado que era professor universitário) a sua defesa, com o apoio do também saudoso e resistente Dr. Arnaldo Mesquita.
O processo foi, naturalmente, interrompido pelo 25 de Abril! Sendo engraçado ver como alguns que fomentaram este processo disciplinar ou se solidarizaram com o mesmo, rapidamente se assumiram como democratas de longa data...
ENGENHEIRO
