Anda por aí muita gente a tentar deturpar o que se passou em outubro de 2015 (e que levou à solução governativa dos últimos quatro anos). Com o objetivo de, com base nessa deturpação, condicionar a leitura do que agora se está a passar. Avivemos, então, a memória.
Primeiro facto: na sequência das eleições de 2015, quando a Direita comemorava a vitória, António Costa ponderava demitir-se por ter perdido as eleições e Catarina Martins exultava "por ter consolidado o BE como terceira força política", foi Jerónimo de Sousa que a todos chamou à razão com a célebre frase "o PS só não será Governo se não quiser". Fazendo, como se diz, "cair a ficha", através da simples constatação de que as eleições foram para deputados e que a maioria destes não era de Direita, mas sim do somatório PS/BE/PCP/PEV, o que levou ao início do diálogo entre estes partidos.
Segundo facto: na altura, o presidente da República era Cavaco Silva, que ficou entalado com este facto recordado por Jerónimo de Sousa. E que levou o seu ressabiamento à triste indigitação de Passos Coelho para primeiro-ministro de um Governo condenado a ser chumbado. E que, com o seu estilo, exigiu às forças políticas de Esquerda a apresentação de documentos assinados que "garantissem" estabilidade. Foi só por essa razão que, em 2015, houve "posições conjuntas" assinadas pelo PS com os partidos à sua esquerda.
Terceiro facto: em 2015 o BE aceitou assinar um documento proposto pelo PS que mais não era do que um cheque em branco de apoio à sua governação. E que só não o fez porque o PCP recusou assinar esse documento, apresentando como alternativa o modelo de uma "posição conjunta" que, no essencial, é um compromisso de análise conjunta das políticas a seguir e a identificação de matérias de convergência.
Quarto facto: em 2019, felizmente, Cavaco não é presidente da República, mas apenas um cidadão a quem já poucos ligam (veja-se o ridículo da sua tentativa de "indigitação" de Maria Luís Albuquerque para a liderança do PSD...). Pelo que não é obrigatória a assinatura de qualquer documento de compromisso.
Quinto facto: quer isto dizer que, sem papéis assinados, deixa de haver diálogo e passa a haver instabilidade? Mais uma vez, Jerónimo, numa demonstração de que a idade representa experiência e sabedoria, é clarividente: como não há maioria absoluta, é necessário negociar as políticas; à Esquerda há total abertura para as negociar, sendo que as posições finais dependerão do grau de consenso a que se chegar. Pelo que a instabilidade só poderá decorrer da imposição de políticas, por parte do Governo, que ponham em causa a vontade manifestada pelos portugueses. Que recusaram a maioria absoluta ao PS e querem políticas negociadas à Esquerda...
Engenheiro
