Nem oito, nem 80. O facto de a Raríssimas andar aos trambolhões na onda mediática não faz do universo das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) em Portugal um charco desaconselhável ao mais saudável dos cidadãos. No entanto, à boleia de um caso que está longe de esclarecido, importa, mais do que o caráter da líder da associação, Paula Brito e Costa, dissecar em que areias se move um setor que deve ser tudo menos negócio.
Em primeiro lugar, devia ser o Estado a assegurar o acompanhamento das pessoas com necessidades especiais, porque a isso está obrigado pelo Artigo 71.º da Constituição. No ponto três do mesmo artigo, está escrito que o "Estado apoia as organizações de cidadãos portadores de deficiência". Até aqui, nada mais sensato. O problema reside no acesso a este apoio.
Provavelmente, trata-se de uma questão cultural, potenciada por meio século de ditadura e muitos de monarquia, mas a verdade é que Portugal e os portugueses não se livram da cultura da cunha e do favor, do interesse em estar rodeado de personalidades influentes para conseguir alguma coisa. No caso das instituições particulares de solidariedade social (IPSS), de conseguir um subsídio.
Longe, como o caso Raríssimas demonstra, de serem entidades inocentes, as IPSS não são todas iguais nem o único problema. A situação verifica-se em muitas associações e é bem visível, por exemplo, no desporto, onde os clubes procuram, e conseguem-no, frequentemente, ter nas suas direções políticos e outras personalidades influentes junto de quem gere os dinheiros públicos.
Claro que esta relação, tantas vezes promíscua, é fomentada pelas duas partes. Basta recuar um pouco e olhar para o que se passou na última campanha autárquica para perceber que se, por um lado, as associações procuram chegar perto do poder, também os políticos as procuram, sobretudo quando estão em campanha, prometendo, até, aquilo que não podem cumprir, num simples exercício de caça ao voto.
Mas serão todas estas relações obscuras e reprováveis? Nem tanto. E, num momento como este, convém mesmo lembrar o papel social notável de tantas IPSS e, porque aqui foram citados, de muitos clubes desportivos, que têm em comum o facto de se substituírem ao Estado em funções da maior relevância. A embrulhada da Raríssimas, que já conduziu à queda da líder da IPSS e do secretário de Estado Manuel Delgado, não pode funcionar como uma rede de arrasto e meter tudo no mesmo cabaz. Até por se tratar, sobretudo, de uma questão de caráter: da dirigente da IPSS e de alguns políticos.
*EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO
