"Alcafache: nome de holocausto", foi assim que o "Jornal de Notícias" classificou o maior e mais grave acidente ferroviário português que, a 11 de setembro de 1985, terá matado 58 pessoas e ferido 150. Durante vários dias, o JN fez edições especiais, falou com vítimas, com familiares, com bombeiros e autoridades policiais, com especialistas e com políticos, e informou o país sobre um drama em que as testemunhas falavam no horror de ver "archotes humanos".
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O choque frontal entre o comboio rápido internacional (Sud Expresso) com destino a Paris e um comboio regional com destino a Coimbra aconteceu na Linha da Beira Alta, no apeadeiro de Alcafache, em Mangualde. Averiguações posteriores concluíram que o acidente ficou a dever-se a "erro humano". O comboio regional deveria ficar na estação de Mangualde até fazer o cruzamento com o internacional. Contudo, "não obstante o facto de se terem dado ordens para que a prioridade na circulação fosse atribuída ao serviço internacional, o regional continuou viagem, estimando que o atraso na marcha do Sud Express fosse suficiente para chegar à estação de Nelas, onde se poderia fazer o cruzamento". O internacional viajava com 18 minutos de atraso. O chefe da estação de Nelas terá sido o primeiro a aperceber-se da tragédia eminente e tentou, sem sucesso, avisar a estação de Alcafache e a guarda-barreira de uma passagem de nível para que parasse um dos comboios. O choque deu-se pelas 18.37 horas, a uma velocidade aproximada de 100 km/h. No Sud Express viajam mais de 300 passageiros, no regional cerca de 40.
"O meu pai e a minha irmã começaram a arder", disse um menino de sete anos ao "Jornal de Notícias". Para além das 58 vítimas mortais identificadas, há um número ainda hoje desconhecido de cadáveres que "desaparecerem" no meio do violento incêndio que se seguiu ao choque das locomotivas. O facto de os materiais utilizados nas carruagens não serem à prova de fogo fez com que as chamas se propagassem rapidamente. A dificuldade para identificar os restos mortais levou a que, no dia 13 de setembro, fosse aberta uma vala comum no cemitério de Mangualde, onde foram colocadas dez urnas.
Ramalho Eanes, presidente da República, e Mário Soares, primeiro-ministro, deslocaram-se ao local, e no regresso a Lisboa Eanes transportou na viatura oficial um ferido para o Hospital de Santa Maria. No meio dos escombros, Soares referiu que era preciso dar "mais atenção aos caminhos de ferro".