A memória de Rosinda Teixeira, que morreu num atentado bombista em maio de 1976, que destruiu a casa da família, em S. Martinho de Campo, Santo Tirso.
Corpo do artigo
Olha-se num calafrio: ficou ali aquele espaço vazio, cavado pela violência política, rasgado sem piedade como a ferida funda que a família Teixeira ainda tem aberta, viva, da morte bruta de Rosinda Teixeira às mãos da rede bombista de extrema-direita, sob o manto da contrarrevolução, já meio ano transcorrido do 25 de Novembro de 1975.
Como a memória que ainda vive nos mais velhos, resistem os pilaretes que enquadravam o pequeno portão da casa dos Teixeira, o muro e os três degraus hoje sem nexo, a trepar para o aparcamento de um restaurante, num pedaço de terra outrora queimada pela vingança. O mesmo chão que ardeu naquela madrugada infernal de 21 de maio de 1976, em que S. Martinho do Campo estremeceu à bomba, sepultando em casa a mulher do operário têxtil e sindicalista António Teixeira. Rosinda tinha festejado 42 anos de vida há nove dias. Deixou quatro filhos. Em 2017, teve o nome inscrito numa placa junto ao que resta da entrada da casa onde viveu e morreu, e há agora uma proposta para entrar na toponímia de Santo Tirso.
Diante daquelas ruínas à face da Rua José Narciso Martins da Costa, é como ver um filme em "rewind": é o mesmo murete da fotografia que fixou o terror da casa desfeita dos Teixeira, após a explosão e o incêndio que a devorou. São as mesmas pedras em que, semanas antes, Rosinda se debruçava, num sorriso cândido que o fogo não apagou de um retrato.
Maria Ferreira rebobina mais o filme e lembra a "excelente pessoa" que a vizinha da frente era, e como "gostava de conversar". "Dava-nos conselhos", recorda a sexagenária, que na época era estudante e colega de Nélson - o único dos quatro filhos de António e Rosinda que estava em casa na noite do atentado - no Liceu de Santo Tirso. Dá cor às fotografias: "tinham um portão cor-de-rosa e, quando o senhor Teixeira chegava e vinha por aí acima a buzinar, no Peugeot, a Rosinda lá ia abri-lo. Parece que estou a ver".
Aquela madrugada tenebrosa de 1976 ainda lhe pulsa na memória. Maria acordou com o mundo a abanar. "Os vidros e a janela partiram-se. A porta [da entrada] abriu-se e a da cozinha também. A casa estremeceu; foi o inferno, Deus me livre! E logo as chamas, o lume. Estou a ver o senhor Teixeira a descer; o Nélson... A minha mãe disse-me para não ir, mas fui ter com o Nélson, para ajudar. Lembro-me perfeitamente: estava com uma camisa de noite cor-de-rosa. Tenho a memória de tudo".
Nélson Teixeira tinha apenas 19 anos, mais um do que Maria, que jamais esquecerá o desespero do colega. "Ele só dizia: "ai, a minha mãe, que ficou lá". A casa era em soalho, e [o piso] foi abaixo...". A antiga vizinha dos Teixeira mira de relance aquele vazio na rua, como se fosse ver ali a casa, mas logo pousa o olhar no chão. "É muito difícil esquecer isto. Sobretudo, a joia de pessoa, maravilhosa, que a Rosinda era".
Nos anos que se seguiram, a família Teixeira, que involuntariamente viu o nome inscrito numa das páginas mais negras da história recente do país, já em democracia, teve a esperança vã de ver os responsáveis pelo atentado - como o bombista confesso Ramiro Moreira, que apontou como mandante do crime o comendador Abílio Oliveira, dono da têxtil Flor do Campo; ambos ligados ao Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), que ordenou vários atentados - a cumprir pena.
Nélson consumiu a vida e a saúde a lutar para que houvesse justiça. Em vão. Não houve, sequer, direito a indemnização, apesar da carta que assinou com o irmão Ulisses e enviou ao governo de Cavaco Silva, quando se falou em ressarcir as famílias das vítimas das FP-25, a rede terrorista de extrema-esquerda que também praticou violência política e cometeu assassinatos, na década de 1980.
Bárbara, filha de Nelson, é grata pela evocação da avó. Ulisses também agradece as homenagens que se façam à mãe, mas não quer revolver memórias demasiado dolorosas: delas emerge um turbilhão de emoções sufocantes, incendiadas pela justiça que ficou por cumprir.
Rosinda deverá dar nome a rua do concelho
"A alteração do nome da Rua Dr. Oliveira Salazar para o nome de Rosinda Teixeira é ação de enorme simbolismo", escreve o BE de Santo Tirso na recomendação feita à Assembleia Municipal, em junho. Foi chumbada, mas a Câmara não arreda a proposta.
"O assunto deve ser enquadrado numa próxima revisão da toponímia do município, em momento oportuno", adianta. Até ver, há apenas a homenagem da freguesia, junto ao que restou da casa dos Teixeira. A vizinha atira: "Se queriam fazer uma homenagem, então não deviam ter demolido o que ficou da casa. Estava aqui uma prova da monstruosidade que se cometeu".