O fecho da refinaria de Leça, o despedimento coletivo e as emissões mais ou menos nocivas que sobreaquecem as eleições autárquicas. Debate. Rebate pelo lítio.
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Habitação, emprego, ambiente, gestão do território, planeamento, orientação estratégica, cidade 15, mobilidade suave, sustentabilidade. Tudo linhas mais ou menos distintas em todas as candidaturas à Câmara Municipal de Matosinhos. E o assunto mais fraturante de todos: o desmantelamento da refinaria da GALP, que, em nome da transição energética, cria prejuízos calculados em 5% do PIB municipal. E ainda o receio do lítio!
No mesmo dia, esta quarta-feira, em que se formalizou o despedimento coletivo de três centenas de trabalhadores da Galp, o tema voltou a dominar a campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 26 deste mês. Na arruada pela Avenida da República, Bruno Pereira, candidato do PSD, programou uma ação pela mobilidade e pela regeneração da política de transportes no concelho, mas o assunto que dominava a agenda do dia era outro e era incontornável.
"O encerramento da Petrogal representa uma grande convulsão social e económica em Matosinhos. Estamos a falar de cerca de 1500 trabalhadores diretos e indiretos que perdem o seu posto de trabalho. Luísa Salgueiro, enquanto presidente da Câmara, tendo sabido antecipadamente do que ia acontecer, podia ter feito alguma coisa para proteger os trabalhadores e seus agregados familiares. O Estado deve garantir apoios à requalificação profissional dos trabalhadores: são especializados, devem ser requalificados e deve-se-lhes garantir o direito de preferência na contratação para futuros projetos industriais no local", diz Bruno Pereira.
Ambiente e saúde
O candidato do PSD verifica "uma enorme incerteza e falta de informação sobre o futuro projeto industrial" dos terrenos da Galp e acrescenta que "o PS não pode continuar a brincar com a saúde e com a qualidade de vida dos matosinhenses".
"Não aceito - conclui o advogado de 36 anos - que Matosinhos venha a sofrer com os riscos de uma refinaria de lítio, sem saber quais os impactos na saúde pública e no ambiente. Digo isto, porque, através de uma declaração do ministro do Ambiente, ficamos a saber que o Governo parece desejar que ali nasça uma refinaria de lítio. Ficamos ainda a saber que a administração da APDL tem projetos no mesmo sentido. Luísa Salgueiro começou por falar grosso contra, para depois, de mansinho, abrir a porta à refinaria de lítio. Entretanto, desde o ano passado que se anunciam fundos e apoios comunitários que não chegaram e dificilmente vão chegar a quem mais necessita".
Obrigação legal e social
Luísa Salgueiro, recandidata pelo PS, nega: "Nunca autorizarei a instalação de atividades nocivas para o ambiente e para a saúde pública". E observa que a Câmara tomou "um conjunto de diligências - reuniões com a comissão de trabalhadores, com a GALP, com a CCDRN, com o Governo - e solicitou estudos de impacto social e económico à Universidade do Porto".
"Obviamente - acrescenta a jurista de 53 anos, que concorre a segundo mandato - a GALP, enquanto entidade patronal, tem a obrigação legal e social de garantir todos os direitos a estes trabalhadores. Os trabalhadores têm, naturalmente, acesso a medidas de apoio social. Mas, por se tratar de um processo no âmbito da transição energética, existe um conjunto de apoios e proteções adicionais, definidas pela União Europeia e subscritas pelo Estado Português, que urge acionar, nomeadamente no âmbito do Fundo para a Transição Justa. A nossa intenção é a de criar um Gabinete para a Transição Justa, num modelo pioneiro em Portugal, mas que já existe em Espanha, reivindicando para Matosinhos um conjunto de medidas de compensação, enquanto território diretamente afetado pelo encerramento da refinaria da GALP. Estas medidas, que estão a ser trabalhadas com a CCDRN e com o Governo, não excluem a GALP da responsabilidade social que lhe pertence, uma vez que, durante décadas, foi Matosinhos e a sua comunidade que suportaram os passivos ambientais resultantes da operação da refinaria".
A autarca acrescenta que este gabinete para a Transição Justa também deverá "acompanhar outros trabalhadores que, por via indireta, possam perder o seu emprego" e promete, através do mesmo gabinete, criar "projetos de recuperação da atividade económica que compensem os efeitos negativos apontados no estudo da Universidade do Porto, procurando transformar uma situação de crise numa oportunidade de crescimento para Matosinhos e para a região, permitindo que os trabalhadores altamente qualificados da GALP possam retornar rapidamente ao trabalho noutras atividades de elevado potencial económico".
Carla Silva, Bloco de Esquerda: "Precaridade e desemprego"
Desde o Bloco de Esquerda, a candidata Carla Silva observa "uma decisão hedionda com consequências dramáticas para centenas de trabalhadores e respetivas famílias, com o aval do Governo."
"Justificar o despedimento coletivo com a necessária transição energética é, de facto, um atentado à nossa inteligência, pois estamos a aumentar, claramente, a nossa dependência externa com o consequente acréscimo de emissões poluentes que isso acarreta. Falhamos, assim, os argumentos que permitem utilizar as verbas programadas para o Fundo para a Transição Justa e estamos, claramente, a hipotecar o desenvolvimento deste concelho, reforçando a sua desindustrialização e agravando a precariedade e o desemprego. Infelizmente, não existe um plano condigno de reintegração dos trabalhadores, requalificação das suas competências e pagamento dos salários para quem estiver perto da reforma. Em relação à Autarquia, a displicência com que se continua a tratar do assunto não deixa de ser sintomática. Das duas uma, ou o Executivo sempre soube do plano de encerramento e, deliberadamente, o ignorou, dada a sua subserviência ao aparelho socialista, ou, então, as evidentes falhas de informação revelam o desrespeito e total desconsideração da GALP e do Governo pela atual presidente do Executivo camarário. Fica, ainda, por se saber quem são os verdadeiros responsáveis por trás desta decisão e a quem possivelmente interessará este negócio", rematou Carla Silva, deputada municipal.
José Pedro Rodrigues, CDU: "Decisão da GALP tem apenas motivações financeiras"
A CDU passou a jornada em acção de campanha por um dos temas que lhe são mais caros, o desta quarta-feira relacionado com a habitação e tão simbolicamente decorrido nas cercanias da Cooperativa Telha, na Senhora da Hora, onde o candidato da coligação PCP/PEV também não pôde contornar a questão do desmantelamento da refinaria de Leça.
"A decisão de encerramento da refinaria não é uma decisão verde, é uma decisão negra para a economia local e regional, que o Governo PS tem tentado pintar de verde. Não tem nada que ver com transição energética nem com descarbonização da economia. É uma decisão da GALP que tem apenas motivações financeiras e que o Governo tem de contrariar em defesa do interesse nacional", afirma José Pedro Rodrigues.
Para o vereador da CDU, que detém os pelouros de Transportes e Mobilidade e Proteção Civil, "os números tornados públicos mostram o peso do crime económico que se vai abater sobre Matosinhos, com as anunciadas perdas no PIB do concelho de mais de 200 milhões de euros, desaparecimento de milhares de postos de trabalho (dois mil em Matosinhos e seis na Área Metropolitana do Porto), corte de 3% nos rendimentos das famílias de Matosinhos (50 a 60 milhões de euros) e de centenas de micro, pequenas e médias empresas locais e regionais que já enfrentam grandes dificuldades".
"A única solução que serve Matosinhos e o País é a reactivação em segurança da refinaria de Leça, diversificando e modernizando a sua actividade, defendendo a soberania energética e produtiva. Será essa a batalha que continuaremos a travar na Câmara", sublinha José Pedro Rodrigues.
JotaJota pede referendo local
Humberto Silva, candidato independente pela Iniciativa Liberal, atalha: "É desejável que haja captação de empresas de nova geração ao nível das energias, assim como de investigação. E se, por um lado, acompanhamos a proposta anunciada pela autarquia em relação à criação de um Centro Tecnológico da Energia e do Mar, por outro, estamos em total e profundo desacordo na possibilidade de parte daquela área ser reconvertida para os tão apetecíveis fins imobiliários, que não servem o interesse público e não honram o acordo de interesse nacional que serviu de base às expropriações dos terrenos".
Outro candidato apartidário, JotaJota, Joaquim Jorge, por "Matosinhos Independente", adianta: "Quem exerce o poder em Matosinhos tinha a obrigação de saber que havia um relatório de 2005, elaborado por um grupo de missão liderado por Murteira Nabo, em que já se concluía que a GALP deveria equacionar o encerramento da refinaria da Petrogal em Matosinhos, a partir de 2010.
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Entre 2009 e 2013, Luísa Salgueiro era vereadora de Guilherme Pinto e co-responsável no Executivo. Como não foi feito o trabalho de casa, não se planificou devidamente o seu fecho e a reconversão dos seus trabalhadores. Justifica-se plenamente realizar-se um referendo local para os matosinhenses dizerem qual o destino a dar aos terrenos da Petrogal. É um tema de relevante interesse local e para a Área Metropolitana do Porto".
E remata outro independente, António Parada: "Não podemos esquecer como uma decisão deste tipo afeta todo o pequeno comércio, restauração e cafés que gravitam em torno da refinaria e que, naturalmente, vão ser afetados com esta medida. Além disso, a forma como foi efetuada, revela que ou a presidente da Câmara de Matosinhos de nada sabia ou, então, ocultou a realidade ao Executivo, à Oposição e aos matosinhenses. A forma como este processo está a ser conduzido, a falta de garantias sobre o futuro de centenas de famílias e a forma como muitos matosinhenses vão ser atirados para o desemprego revelam uma falta de poder e de tato social da autarquia, que tinha a obrigação de conduzir este processo de uma forma mais eficaz e mais preocupada com os nossos munícipes. Mas é o reflexo do que foi o mandato da presidente da Câmara: apagado, sem poder, sem ser respeitada. Matosinhos afundou-se num marasmo e isso reflete-se a todos os níveis".