Um total de 27 famílias resistem numa antiga ilha na zona das Fontainhas e, apesar das casas velhas, não querem sair dali.
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No Bairro dos Moinhos (Munhos, na linguagem popular), nas Fontainhas, o Porto nada mudou. Vive-se como sempre se viveu, em casas pequenas e humildes, onde o tempo tarda em passar, mas onde todos se conhecem e entreajudam. Muitos são família. Aqui, as crianças ainda brincam na rua, com cuidado porque a ilha está colada à linha de comboio onde ainda circulam as composições entre S. Bento e Campanhã. Mais abaixo está o ramal ferroviário da Alfândega, há muito desativado e que será transformado pela Câmara em ecopista.
"Não somos contra o turismo, mas aqui não queremos hostéis. Queremos viver em paz como sempre vivemos", defende José Marques, que nasceu na ilha há 74 anos. Zé dos Quadros, como é conhecido por ter trabalhado anos a fabricar molduras, é o intermediário entre os inquilinos, um total de 27 famílias, e o senhorio.
"Aqui não entra qualquer um. Tem de ser gente daqui, que nasceu ou casou na zona das Fontainhas e S. Vítor", diz, explicando que lhe cabe fazer essa triagem para "travar a entrada de turistas ou a especulação imobiliária".
As rendas andam entre os 70 e os 178 euros. Depende das casas, que hoje "estão melhores que antigamente". As pessoas foram melhorando "e todas já têm quartos de banho". O grande problema, de acordo com Zé dos Quadros, "são as enxurradas no inverno. Enche as ruas de água". Na escarpa onde está a ilha dos Moinhos, desagua a ribeira de Mijavelhas, que vem do Campo de 24 de Agosto.
Ilha com "vista maravilhosa"
Enquanto a mãe foi fazer compras, Gustavo, de três anos, ficou com Elvira, de 92 anos. Sara Vieira, de 35 anos, chega e leva o filho para o pátio construído com a ajuda de familiares e amigos mesmo junto à linha do comboio. Ali tem uma piscina amovível. Está calor e, por estes dias, mãe e filho refrescam-se. "Aqui, a paisagem é muito bonita. Reconheço que gostava de ter uma casa com melhores condições, mas adoro viver no bairro onde nasci com esta vista maravilhosa", afirma Sara.
O número de ilhas no Porto aumentou drasticamente durante a segunda metade do século XIX. Como nas Fontainhas, espalhadas pela encosta e pela Rua de Gomes Freire, onde está a ilha do Munhos e a de Riobom. Gente atraída pela oferta de trabalho no matadouro e das fábricas de curtumes e de cerâmica ali instalados.
A empregada de Bryan Adams
Com 90 anos, Josefa Monteiro lembra-se ainda desses tempos. Foi cartonageira durante anos e "muitas cargas acartou à cabeça". Gosta de viver no bairro. "Só tenho falta é do tanque para lavar umas pecinhas de roupa, mas foi fechado pelo Rui Rio", diz, revoltada.
Chegam ao bairro as irmãs Otília e Deolinda. Otília regressou de Paris no dia anterior. Vai fazer 70 anos, mas está emigrada desde os 19, mantendo sempre a casa nos Munhos. "Fui para França com 19 anos, a salto porque era menor e por lá fiquei, sempre com muitas saudades daqui", conta. Foi porteira durante anos e hoje faz algumas limpezas, como na casa que o cantor Bryan Adams tem em Paris, alugada muitas vezes a turistas.
Deolinda há muito saiu do bairro. "Moro na Avenida de Fernão Magalhães numa casa com boas condições", explica. "Mas a minha vida é aqui!" Deolinda, ou Lola, como gosta de ser chamada, também saiu novita das Fontainhas. Foi para a Guiné atrás do namorado, depois marido. Não gostou do calor e a falta dele "deu também cabo do casamento".
Comunidade cabo-verdiana
Da Guiné, veio também Rosa Cardoso mas, mais recentemente, após ficar viúva. Vive do outro lado da linha, na ilha de Riobom e, com o companheiro Didi, tem uma horta onde planta batata, cebolas, tem galinhas, patos e coelhos. Ali está instalada uma comunidade caboverdiana. No logradouro da casa, Tony quase se sente em casa. Tem as pontes e o Douro como paisagem e na leira inferior até bananeiras há. Tirou o curso superior de Gestão e é técnico de contabilidade. Vive com quatro irmãos e uma sobrinha.
Nos "Munhos", Vitória, Luna e Iara mergulham na piscina. Herculano apanha sol e a mulher Felicidade aproveita para pôr roupa a secar. Isaque, de nove anos, já pintou a parede de uma fachada e anda de berbequim na mão e ajuda Zé dos Quadros em algumas reparações. Diz que, quando for grande, quer ser trolha.