Uma "bonita história de insucesso comercial". É assim que Paulo Vinhas resume o trajeto da Matéria Prima, loja de discos no Porto que é sinónimo de compromisso cultural e estético há 30 anos.
Corpo do artigo
Fundada em 1990 por Paulo Vinhas, Miguel Sá e Jorge Pereira, inicialmente como plataforma de distribuição via postal, tornou-se espaço físico em 1998, no antigo edifício do Artes em Partes, na Rua de Miguel Bombarda. Transferiu-se durante alguns anos para a Rua da Picaria, mas o rebuliço da noite, que entretanto invadiu a Baixa, fez a loja regressar a Miguel Bombarda, onde se instalou no n.o 127. Prepara agora nova mudança, em janeiro, para o n.o 232.
O que foi mais constante nestes 30 anos? "O objetivo de partilhar um capital de conhecimento que se materializa em discos, livros, revistas e outras publicações. E a ausência de preocupações comerciais e dessa obsessão capitalista com o crescimento", diz Paulo Vinhas ao JN. Não deixando de ser um negócio, a Matéria Prima resiste graças a um conjunto heterogéneo de clientes, nacionais e estrangeiros, que adquirem os seus produtos na loja ou através do site, onde se pode ler uma descrição sobre os seus potenciais destinatários: "DJ, digger, designer, diretor/a, dançarino/a, doméstico/a, dominatrix, debutante ou simplesmente uma pessoa curiosa".
Esperança e entusiasmo
Apostando numa oferta musical que não se restringe a qualquer género específico, mas que é selecionada por critérios que apontam à inovação e sentido de aventura, 99% dos vinis, CD e cassetes expostos na loja não aparecem habitualmente nos circuitos comerciais. "São escolhas humanizadas", diz Vinhas. "Não resultam de qualquer algoritmo".
Esse empenho em tornar acessível a um público alargado as propostas mais transgressoras e exploratórias levou a Matéria Prima a saltar da sua morada física para a produção de centenas de eventos culturais, como o Trama - Festival de Artes Performativas; o primeiro concerto de Antony and the Johnsons em Portugal, na inauguração do bar Passos Manuel, em 2005; ou a participação no programa Understage, no Teatro Rivoli, que deverá prosseguir no próximo ano. Além disso, associou-se à criação de um selo musical, Grama, que editou já trabalhos de Cândido Lima, Filipe Pires, Armando Santiago e René Bertholo.
Para assinalar os 30 anos de atividade, está a decorrer, até ao final do ano, a promoção "30 anos, 3 amigos, 30% de desconto", em que a cada semana três convidados selecionam três produtos da Matéria Prima que serão vendidos com desconto.
"A esperança e o entusiasmo há de guiar-nos nos próximos 30 anos", afiança o fundador.
Casas de discos no Porto: da memória às resistentes
Até à chegada das grandes superfícies comerciais, que concentraram, ou estrangularam, a oferta musical, a paisagem do Porto estava disseminada por lojas de discos, orientadas para diferentes públicos e géneros. Desde a longínqua Clave, dos anos 1970, na Rua de Júlio Dinis, aos espaços que marcaram os anos 1980/90, como a Bimotor, Jo-Jo"s, Peggy, Zounds!, Rolls Rock, Salt"Ibérico, Orelha de Van Gogh, ou as múltiplas discotecas da Rua 31 de Janeiro. As que resistem apostaram em nichos - os discos usados, o vinil ou a especialização num determinado género - e funcionam como locais de culto sustentados por clientela fidelizada e atendimento personalizado. Entre as mais emblemáticas contam-se a Tubitek, que regressou em 2014 depois de mais de uma década de silêncio, a Louie Louie, Porto Calling, Muzzak, Piranha, Music and Riots e Discos do Baú. Continuam a precisar da militância de novos melómanos.