A "maravilhosa entreajuda" na montagem dos carros para o cortejo da Queima das Fitas
O cortejo da Queima das Fitas do Porto sai à rua na tarde desta terça-feira. Por estes dias, o antigo centro de vacinação de covid-19 de Matosinhos esteve transformado numa linha de montagem de carros alegóricos das diferentes faculdades.
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Os serrotes, as construções em pinho, as marteladas e o cheiro a madeira acabada de cortar que se funde com o das tintas, colas e massas até podem fazer crer que acabamos de entrar numa carpintaria, mas as dezenas de jovens estudantes que por ali ziguezagueiam assoberbados desmente a suposição: no antigo centro de vacinação da covid-19 de Matosinhos, vive-se num afã para ter os carros alegóricos prontos a desfilar no cortejo da Queima das Fitas que na tarde de hoje promete encher as ruas da Baixa do Porto com milhares de universitários, familiares e amigos.
"É uma maratona e, na véspera [do desfile], o sprint final", compara o presidente da Federação Académica do Porto, Francisco Porto Fernandes, revelando que a FAP disponibilizou "muito material" para a montagem dos carros: "250 litros de tinta, duas mil unidades de madeira e o papel para as flores, que supera as 600 unidades".
Crítica social
É sexta-feira. Alheia ao serrim e às minúsculas bolas de esferovite que esvoaçam pelo chão, Sofia Correia está concentrada a pintar o carro de Arquitetura, que desfilará o talento dos alunos nas artes do desenho e da pintura e que obedece a um projeto prévio delineado pelos futuros arquitetos, com prazo de execução de uma semana.
Com um pedaço de madeira improvisado a fazer de paleta, a aluna de 21 anos pinta com minúcia, a acrílico e guache, um dos dançarinos que dão vida ao "cabaré", tema eleito pelos estudantes da Faculdade de Arquitetura "como forma de crítica à desigualdade das mulheres e à forma como não são vistas e representadas, não só academicamente mas, também, no trabalho". A estudante do 4º ano explica a metáfora: "Temos muitas mulheres a suportar a estrutura do cabaré, enquanto os homens dançam em cima como se fosse tudo fácil. Existem mulheres que não têm a representatividade que merecem, ou que não têm a compensação pelo trabalho que fazem e são parte essencial de uma estrutura que não as mostra".
Ouvem-se martelos e berbequins, corta-se esferovite, moldam-se flores em papel colorido. Sofia está sentada no chão, a mão num vai e vem entre o painel a que dá cor e a paleta onde o pincel mergulha na tinta. É de Setúbal, mas nem lhe passava pela cabeça aproveitar o feriado do 1º de Maio para esticar o fim de semana e ir a casa - afinal, não há mãos a medir para conseguir ter o carro a postos no desfile de hoje.
Engenharia paterna
Com a proa já montada, o carro do IPAM - Instituto de Administração e Marketing tem a engenharia de Evaristo Mota, 62 anos e pai de Inês, que estuda Gestão de Marketing. De jardineiras azuis e betume nas mãos, o empresário de manutenção industrial passa uma espátula a um caloiro e explica-lhe como há de aplicar a massa.
"Estou a improvisar, porque nunca tinha feito uma coisa deste género", confessa Evaristo Mota, "divertido" por poder conviver com os colegas da filha, atarefados na missão de erguer o barco com que o IPAM vai "homenagear o Dux Veteranorum [Américo Martins] que faleceu" em dezembro passado.
"Os nossos caloiros vão de vikings, à frente do barco, a defender o legado do nosso Dux Veteranorum", explica a aluna de 21 anos. "O meu pai é o cabecilha do projeto, e fiquei super feliz por ele vir ajudar", sorri Inês, para quem "é maravilhoso ver esta entreajuda".
Ana Sabugueiro está no 4º ano de Medicina Dentária, e confidencia que também "gostava que [os pais] estivessem presentes", a ajudar na empreitada de adornar o carro. Mas a estudante de 21 anos tem a família em Macau, de onde partiu há quatro anos, "sozinha, para fazer a faculdade", e aonde ainda não voltou. Tal como a colega, Carolina Marques, está a "passar a segunda camada de tinta nas letras" que traduzem "uma crítica à falta de oportunidades de trabalho no país" para os dentistas recém-formados.
"O cortejo é um momento muito marcante, não só para a Academia mas para a cidade. No ano passado tivemos mais de 400 mil pessoas nas ruas, entre estudantes, familiares e amigos", assinalou Francisco Porto Fernandes, presidente Federação Académica do Porto.