<p>De um lado Vieira do Minho e do outro Montalegre. Ao meio, uma ponte de ninguém. “Isto é dos de Vieira”, reclama o Sr. Manuel, mas logo a seguir os de Montalegre dizem: “Não senhor, somos nós o donos da ponte”. <br /></p>
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É caso para se dizer “venha o diabo e escolha”. Sim, porque a ponte da Misarela é conhecida como a “ponte do diabo”. Ferral, do lado de Trás-os-Montes, e Ruivães, do lado minhoto, disputam uma secular ponte que, segundo as velhinhas histórias, foi mandada erguer pelo “diabo”. É que a ponte, implementada no meio de enormes penhascos graníticos, pinceladas aqui e acolá de verde, não só separa duas aldeias, dois concelhos e dois distritos. Separa também a alma do diabo.
Reza a história que este estranho namoro nas terras do Barroso, que esta gente era simples e forte, crente e temente a Deus e “medrosa” do diabo. Tudo começa quando um criminoso, que vagueava escondido pela região, foi perseguido e descoberto pelas autoridades locais. Numa fuga, pois era bem conhecedor do local, deparou-se com um obstáculo. Um rio, de Rabagão de seu nome, entre os enormes penhascos. Apelou ao diabo e aquele fez aparecer a ponte a troco da alma. O negócio ali foi selado, e o crimonoso passou a ponte e, após estar bem assente do outro lado, o diabo fez esfumaçar a ponte. Dessa forma, as autoridades não conseguiriam apanhar o “fuinha”.
Mais tarde, já arrependido, confessou-se a um frade e, criminoso que é criminoso, volta sempre ao local do pecado, e este dirigiu-se para o lugar, mas acompanhado do frade. Quando o “fuinha” apelou novemente ao diabo, este fez aparecer a fria ponte, mas o frade - quando o criminoso ia a meio da travessia -, benzeu-a e a ponte ali ficou até aos dias de hoje, fazendo também como que o “fuinha” recuperasse a alma.
A história correu de boca e boca, e passou a ser local de “fertilidade”. Daí para a frente, quando uma mulher não “levava os filhos a cabo”, deslocava-se à “ponte do diabo” e pernoitava lá até alguém passar. O primeiro a chegar teria que ser padrinho ou madrinha da criança, que haveria de se chamar Gervásio, se fosse rapaz, e Senhorinha, se fosse rapariga, numa espécie de um prébaptismo para que a gravidez fosse a bom termo.
Esta é a história que, neste passado fim-de-semana, foi representada em plena ponte. Um gigante teatro foi encenado por gentes da terra, numa parceria entre Vieira do Minho e Montalegre, com a colaboração e supervisão do Centro de Criatividade da Póvoa de Lanhoso e coordenado pela Casa da Cultura de Vieira do Minho e Eco Museu de Montalegre.
No final do espectáculo de uma hora, Adriana Henriques fez um balanço positivo da primeira iniciativa. “Foi muito bom, o público aderiu. Todo este cenário e a oportunidade de as pessoas da terra representarem a suas tradições, deu-nos uma experiência única, foi fantástico. Esta iniciativa é para voltar a repetir”, afirmou a directora da Casa da Cultura de Vieira do Minho, umas das responsáveis a esta viagem a um mundo místico, o mundo da Misarela.