Terá sido a primeira criança a ser registada em Portugal com o nome Zilda. As dificuldades causadas pelo nome incomum foram tantas que, num tempo em que tradição era lei, o padre não queria realizar o batizado.
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A vontade da madrinha brasileira acabaria por prevalecer e, 101 anos depois, “Zildinha” continua a ser uma figura incontornável da terra que a viu nascer: Sobreira, em Paredes. Nesta quinta-feira, familiares e amigos voltaram a juntar-se para apagar mais uma vela de uma vida regada a vinho de Favaios.
Foi no pequeno lugar de Castromil, na freguesia da Sobreira, que, em 3 de outubro de 1923, nasceu Zilda Alves Moreira. A madrinha escolhida pelos pais viria do Brasil com ideias estranhas para a época e o nome que escolheu para a bebé não constava nos registos oficiais e muito menos fazia parte das preferências do padre da paróquia. “Ele não queria batizar-me com esse nome, dizia que não era permitido. Devo ter sido a primeira Zilda em Portugal”, refere, entre risos, a centenária.
A vontade da família levou de vencida a tradição e Zilda, já irmã de sete, transformar-se-ia na “Zildinha” que abandonou os estudos no final do quarto ano de escolaridade. “Chegava-se àquela idade e era normal sair-se da escola. Só os rapazes continuavam”, recorda. Seguiram-se anos como doméstica até que, aos 24 anos, chegou o matrimónio.
“Se não fosse a guerra e os tempos difíceis, teria casado mais cedo. Mesmo assim, disse ao meu namorado que só casava se não fosse para trabalhar na loja da família dele”, frisa. O noivo prometeu-lhe que tal não aconteceria, mas, uma semana após ter dito sim no altar, “Zildinha” estava atrás do balcão a vender tudo o que havia para comprar.
Um Favaios ao deitar
A vocação, mais do que profissão, alongou-se para lá dos 70 anos e, hoje, “Zildinha” recorda esses tempos com prazer. No entanto, não ficou presa ao passado e sem mercearia para comercializar dedicou-se à organização de retiros religiosos, em Fátima. Até à pandemia que encerrou o país, também ajudou padres e freiras a tratar de doentes e, no dia em que festeja 101 anos, diz que, se pudesse virar a ampulheta do tempo, optaria por uma profissão ligada à saúde. “Talvez enfermeira”, avança.
Hoje, já não toma conta de ninguém, mas também não gosta que tomem conta de si. Prefere a independência que a faz levantar, sempre na casa onde criou os quatro filhos, entre as 5 e as 6 da manhã para passar o dia a tricotar camisolas e outras peças de roupa que, uma vez prontas, oferece a quem lhe pede ajuda.
“Durante o dia, a televisão está ligada, mas é só para fazer barulho. Gosto mais de conversar e de contar o que se passou lá para trás”, revela. E nem sempre conta boas histórias. “Quando o mundo estava em guerra comíamos por ração. Cada pessoa tinha direito a 250 gramas de arroz, 250 gramas de massa e de outros produtos. E algumas vendiam o que recebiam para ter algum dinheiro”, repete.
Nessa altura, não tinha como beber um copo de vinho de Favaios depois do jantar, mas desde que a vida melhorou fez disso um hábito que mantém até hoje. “O vinho do Porto é mais pesado”, explica.
Assim, para o resto da vida, que quer longa, só pede saúde e que não lhe falte um “pãozinho” e um copo de Favaios ao deitar. “Fui sempre muito arisca”, admite.