Se o texto que se segue fosse ficção, poderíamos começar por imaginar as paredes das faculdades da Universidade do Porto a guardarem grandes segredos, de Estado, conspirações, invenções revolucionárias.
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Se calhar ideias brilhantes que viriam a mudar o Mundo. Belas amizades. E lindas histórias de amor. Aqui, voltamos à realidade porque, sim, elas aconteceram e continuam a acontecer.
A partir de agora, vamos narrar três delas, de três gerações diferentes, com a paixão à academia pelo meio e histórias irreverentes ligadas, também, à Queima das Fitas, que este ano completa o seu centenário.
José Mário e Flávia
Os entusiastas do Orfeão
José Mário Sousa, 21 anos, cinco mais velho que Flávia, deitou o olho à adolescente de 16 anos quando já frequentava a Faculdade de Medicina do Porto, onde ingressou em 1950, e ela andava no liceu. Três anos depois, Flávia entra no Curso Profissional de Farmácia. O amor de ambos já durava há três anos e floresceu quando, em 1956, Flávia Sousa decide entrar no Orfeão da Universidade do Porto, onde já cantava o seu futuro doutor. Três anos depois, quando a futura licenciada em Farmácia ainda estudava e José Mário era já médico, decidiram casar. Foi no dia 28 de junho de 1959.
Três dias depois tiveram uma surpresa (não, ainda não, essa viria mais tarde): o Orfeão anunciou que tinha recebido um convite para atuar em Moçambique. "Fomos passar a nossa lua de mel a África", recorda Flávia Sousa, hoje com 85 anos, reformada mas ainda membro ativo e entusiasmado, tal como o marido, com 90 anos, da Associação dos Antigos Orfeonistas da Universidade do Porto.
O espírito académico nunca morreu, pelo contrário, manteve-se mesmo com o nascimento dos filhos. "Era tudo muito engraçado", recorda José Mário.
José Mário nasceu no Porto e foi criado em Gaia, mas depois de se formar abriu consultório em Arouca, no qual se tornou "o João Semana" de Cabeçais. Viria a ingressar no SNS anos mais tarde, onde ainda mora o casal, em Gião, Feira.
No ano a seguir ao casamento nasceu a primeira filha. Em 1962 vinha ao Mundo um menino. A alegria e orgulho da família crescia, mas representava um atraso na conclusão da licenciatura da mulher e mãe, que só aconteceu em 1963. Foi então trabalhar para a farmácia da família em Cabeçais, onde permaneceu muitos anos.
Desde aí, a família cresceu - nasceram mais três filhos - e o casal continua a acompanhar o Orfeão e o seu espírito académico. "Parámos durante a pandemia, mas já voltámos aos ensaios", relata, feliz, Flávia. "E até já atuámos há dias no Foco", concluiu o marido.
paulo e cristina
O "parvalhão" que deu num bom marido
Primeira impressão: "parvalhão". Primeira expressão: "parvalhão!" Recuemos. 1982. Ia Cristina Maia e Costa, 19 anos, conimbricense de berço criada no Porto, linda, elegante e de capacete no braço a atravessar o portão do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS) quando ouve uma boca: "Com um capacete desses, deves ter uma grande mota!".
Paulo Vaz Pires explica agora que "foi uma brincadeira", porque percebeu que "seria uma mota pequena", que descobriria depois ser igual à sua. Mas Cristina ainda não tinha percebido "a piada". Por isso, foi com grande irritação que a jovem verificou na sala da primeira aula que iria ser companheira do "parvalhão". Ela, em Medicina, ele em Ciências do Meio Aquático.
Num instante descobriu que o nome dele era Paulo e viria a tornar-se o seu melhor amigo de um grupo composto por mais três jovens cavalheiros. Um deles chegou a ser namorado de Cristina. "Ele era de Lisboa e, quando ia a casa, eu andava pela cidade com o Paulo, ele era o meu melhor amigo". Nem uma ponta de ciúme no semblante do marido ao som destas palavras, antes um sorriso: "Éramos e continuámos a ser os melhores amigos" (o ex-namorado de Cristina). E foi nas vésperas da Queima das Fitas de 1985 - quando ela era já vítima das intenções amorosas do melhor amigo -, que o fogo da paixão a atingiu como uma flecha. As festas académicas viriam a ter um outro sabor, mais quentes e doces.
A estudante de Medicina formou-se em 1988, dois anos depois do engenheiro de Biologia Aquática, que acabaria investigador e docente no ICBAS. Com uma relação mais do que sólida e feliz, o casamento sagrou-se em 1989. Dessa união nasceram Carolina, em 1991, Rodrigo, 95, e Bernardo, 98.
A academia acabou mas aos 58 anos o casal olha para trás e ainda vê arco-íris e unicórnios nas suas recordações de estudantes. As festas e convívios, a loucura do cortejo... Recordações que agora somam às que ficam das 80 viagens que já realizaram.
Jacqueline e Gil
Ensinou-o a viver com um sorriso no rosto
Jacqueline Rezende era (e é!) uma bela brasileira alegre, fogosa e bem-disposta. Gil Mendes, ex-estudante de Informática da UP, era tímido e calado. Viria a mudar quando conheceu a estudante de Sociologia que ingressou na Faculdade de Letras, em 2019, como aluna Erasmus.
Quando chegou, conta Jacqueline, sentiu-se só e inscreveu-se no Tinder. Quem foi que ela encontrou? Sim, Gil. Não se conheciam, mas passou a ser o melhor amigo e quem a ajudava a descodificar a gíria da cidade. Indicava-lhe ainda onde comer e beber uns copos.
Um dia, um deles teve a iniciativa de convidar o outro para jantar. Gil disse logo que sim. Comeram e subiram ao tabuleiro superior da Ponte Luís I para ver as vistas. Apesar de sentir "um calorzinho a percorrer-lhe o corpo", Jacqueline queixou-se do frio para arrancar um abraço ao embaraçado Gil. Foram várias as tentativas e, depois de um "trouxesses um casaco", Jacqueline teve o seu prémio de consolação... o abraço.
Não passou disso, mas só nesse dia, porque seguiu-se logo o namoro e tornaram-se "chiclete". Ao fim dos seis meses, a estudante regressou ao Brasil com o coração partido, mas duas promessas de Gil: ir ter com ela e, lá, casarem-se.
Gil Mendes, atualmente com 28 anos, cumpriu a primeira promessa, mas a covid não deu tempo para a segunda. Ainda assim deixou a sua intenção em lista de espera no escritório de um notário, que lhe ligou mais tarde, com a proposta de um casamento online em julho: no início ou no final. Gil ainda se ri da coincidência, porque quando pediu Jacqueline em casamento, ensinou-lhe a letra da canção de Quim Barreiros: (o melhor dia para casar é 31 de julho porque a seguir entra agosto). Escolheu o último dia do mês.
Tudo foi preparado ao pormenor e no dia marcado, Gil e Jacqueline deram o sim online. E foi a sogra que ficou guardiã da sua aliança. "Enfiou-a no dedo no casamento e ofereceu-ma no dia em que nos conhecemos", recorda Gil, que é agora um homem mais extrovertido e com uma gargalhada tão contagiante quanto a da sua mulher.
O casal vive, desde 24 de março, em Felgueiras, onde Gil trabalha a partir de casa e Jacqueline, 33 anos, frequenta um mestrado em Gestão e Organização do 3.º setor. O aumento da família está no horizonte, mas Jacqueline quer antes terminar o mestrado e trabalhar.