<p>Morely foi nome artístico de apresentadora de circo. Deixou o chapitô, as fantasias e, sem disfarce, vive na roulotte deixada pela trupe familiar. "Já tive de vender os cães para sobreviver", diz. Depois dos aplausos, só quer uma casa para viver em paz.</p>
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Ana Paula, 41 anos, nasceu e viveu no circo. O marido e o filho "eram os palhaços da companhia". Ela anunciava as vedetas do chapitô e animava a plateia com "saltos de cãezinhos". Antes do Natal, o circo foi montado diante de vários prédios e vivendas, a poucos metros da Escola Secundária de Águas Santas, na Maia. Fechou antes de abrir. "Não tivemos sorte. Nem uma criança veio cá para ver os palhaços. Por isso, decidimos cancelar os espectáculos. O meu marido e o meu filho quiseram continuar. Eu desisti e fiquei por aqui a viver. Só quero arranjar uma casa para ser feliz".
Abandonada a vida de saltimbanco, Ana Paula anuncia, em dias de incerteza, "Mudar de vida". Para onde? "Não sei. Ainda não desisti. Já meti os papéis na Junta do Bonfim e depois fui à Domussocial. Tenho fé e acredito em ter uma casinha. É o meu sonho", refere, depois de outros sonhos terem ficado pelo caminho.
"Habituei-me a viver com pouco dinheiro. Andei sempre escorraçada como os cães. O circo perdeu gente e faliu. Só pelo Natal as grandes companhias conseguem fazer algum negócio", garante. Enquanto falava ao JN, a chuva e a ventania faziam baloiçar a frágil caravana, espécie de casa sem direito a cozinha, muito menos a duche. "A vizinhaça tem sido muito amiga. Pelo Natal, deram-me bacalhau e batatas para fazer a consoada. Não tinha dinheiro para nada, mas a mesa esteve farta. Até a minha mãe cá veio. Foi uma festa bonita", recordou.
Após "muitos anos" a viver do circo, resta-lhe uma velha carrinha Mercedes Benz "prestes a ser vendida", uma roulotte, parcos haveres, muitos deles sem cotação em nenhuma bolsa, como as fotos das tardes de magia, recordações de "dias felizes" vividas no chapitô. Num canto, lá está o televisor "para ajudar a matar o tempo", no outro o colchão de dormir. "Quando chove, nem consigo pregar olho. Entra muito vento e frio", garantiu.
"Ainda não perdi a vontade de ser feliz. Gostava de ter uma casinha como as outras pessoas", repete, enquanto exibe um monte de cartas, todas elas sem a resposta sonhada e pretendida. "Já fui várias vezes à Câmara do Porto pedir uma casa. Dizem-me que há casos mais graves. Mas eu vivo numa roulotte, ao pé da valeta da rua. Querem pior"?