Um grupo com cerca de cem pessoas percorreu, na manhã deste sábado, a marginal do Douro, no Porto, entre a Ponte do Freixo e a Alfândega, numa ação de sensibilização para as doenças malignas do sangue promovida pela Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL): a primeira "Caminhada das Pontes".
Corpo do artigo
O ditado é conhecido e serve de mote à caminhada de Adelaide Sousa, de 60 anos, e de Noémia Fontes, de 68: "Devagar se vai ao longe". "Temos de saber procurar sentir-nos vivas, porque quando se fala da doença pensa-se logo no lado negativo. Quem acompanha estas associações vê que deve ser ao contrário", aconselha Adelaide, admitindo ser essa a sensação enquanto percorre os cerca de quatro quilómetros de percurso, pela marginal do Douro, entre a Ponte do Freixo e a Alfândega do Porto.
Sobreviveu a um linfoma e, apesar das mazelas deixadas no corpo pela quimioterapia e radioterapia, diz que "sabe bem andar". "Ficámos com os músculos e com os ossos todos atrofiados. E se não tivermos força de vontade para fazermos exercício, caminhar e sair de casa, a vida deixa de fazer sentido", admite, confessando ter passado por "uma depressão muito grande".
A recuperação foi, também ela, uma longa caminhada. Aos 55 anos, foi-lhe diagnosticado um linfoma. "Sempre tive muitas anemias e começou a aparecer um gânglio debaixo da axila. Fiz uma biópsia e era benigno. Aí, tudo bem. Mas um ano depois fui operada para tirar. Comecei a perder muito peso porque perdi o apetite e um cansaço imenso. Estava a ir muito abaixo porque o meu corpo reagiu muito mal aos tratamentos", explica. Trabalha com idosos e doentes em reabilitação e não conseguir ajudá-los fê-la sentir-se "muito mal". "Porque foi na altura da pandemia e estava presa em casa sem poder ajudar ninguém", recorda.
"Temos de olhar para a frente"
Do lado direito de Adelaide, pelo sorriso rasgado de Noémia, ninguém adivinharia que já passou por quatro cancros. "Foi um no fígado, dois no intestino e um no pulmão", contabiliza, sem qualquer lamúria. "Menina, temos de andar para a frente. A olhar para trás não vamos a lado nenhum", atira enquanto atravessa a Ribeira do Porto em direção à Alfândega.
Tudo aconteceu aos 62 anos mas "correu tudo bem". "Tive muita sorte", reconhece, agradecendo aos médicos e à "comadre" que depois de a ajudar a tomar conta da filha, com mielomeningocele, ao longo de 30 anos, também apoiou Noémia durante a recuperação da doença. "A minha filha faleceu há seis anos. Mas foi muito feliz e também me deu muito apoio", sorri.
Junto à Ponte de Luís I, do lado do Porto, estava também Maria da Conceição Paulo. A voluntária de 75 anos, que evitava que os participantes seguissem o seu percurso pelo Túnel da Ribeira, conta que conheceu a APLL quando se reformou, através de uma amiga. "Depois de ser professora durante 40 anos não podia ficar parada e a primiera iniciativa que fiz na associação foi ajudar a escolher postais de Natal", conta.
A associação conta com 23 anos e Herlander Marques, médico do serviço de Oncologia do Hospital de Braga, que contribuiu para a fundação da APLL, explica ao JN que, a estas doenças está associada "uma grande exigência" aos pacientes, do ponto de vista psicológico, para que consigam suportar os impactos, tanto da própria patologia como dos tratamentos.
"Por outro lado, há imensas pessoas carenciadas e que não têm capacidade de comprar a medicação ambulatória, de se fazerem transportar ao hospital, de terem um cuidador que lhes possa dar apoio. Então, a associação vai desenvolvendo um papel no sentido de colmatar as necessidades dessas pessoas", acrescenta o médico. E como esses pacientes podem ter limitações físicas, "a caminhada foi organizada de forma a haver pessoas que partiam da Ponte do Freixo, outras da Ponte de D. Maria Pia, da Ponte do Infante e outras daqui [Ponte de Luís I]. Conforme o percurso fosse mais longo ou mais curto, as pessoas adaptar-se-iam e algumas não conseguem fazer, mas é uma forma de divulgação", realça o médico.
A caminhada teve também uma vertente de angariação de fundos, uma vez que a cada inscrição estava associado o pagamento de cinco euros. A verba servirá para apoiar, precisamente, os doentes mais carenciados. "Mas [o valor] é quase residual", admite Herlander Marques.
Isabel Barbosa, 66 anos, presidente da APLL, apela a um maior apoio da causa, uma vez que apesar de a associação ser do Porto e contar com a ajuda da Câmara, apoia doentes de todo o país. "Temos doentes de todo o país a pedir ajuda. A nível psicológico fazemos sessões online, mas também ajudamos na reabilitação física nas piscinas municipais e, portanto, apelamos a todos os ex-doentes que participem mais nas atividades", pede a também investigadora, sublinhando que todas as atividades são gratuitas e abertas a todos os pacientes com cancro.
Quanto às leucemias, linfomas e mielomas, Isabel esclarece que "são tudo doenças de sangue, muito desconhecidas pela população e representam cerca de 10% de todos os cancros". "Por vezes, as pessoas sentem cansaço, fadiga, etc., e não associam às doenças de sangue. Só mais tarde é que vão descobrir, através dos médicos de família, e saber exatamente o que têm. Daí, ser importante participar nestas caminhadas para um maior conhecimento sobre doenças de sangue", clarifica a presidente da APLL, divulgando também uma conferência marcada para o próximo sábado dia 30, na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. "É uma conferência anual sobre os novos tratamentos. É muito importante que toda a população apareça", reforça Isabel Barbosa.
As inscrições podem ser feitas aqui.
A iniciativa contou com o apoio da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto, e o próprio presidente, Nuno Cruz, participou na caminhada. Em declarações ao JN, afirma que a Junta "abraçou de imediato a iniciativa" e que esse é um compromisso assumido para os próximos anos.