Na Sertã há uma história que tem aquecido em lume brando, mas que pode vir a escaldar. Duas freguesias vizinhas - Carvalhal e Castelo - estão em tribunal a lutar por um pedaço do território.
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Tudo alegadamente por culpa de um erro da Carta Administrativa Oficial de Portugal que, segundo dizem os do Carvalhal, lhes tirou 104 hectares (área equivalente ao mesmo número de campos de futebol), ao traçar os limites das duas freguesias em 2015. Nesses 104 hectares há muito mato, mas também existem dois lugares - Lameira e Ramalhos - onde vivem 23 pessoas. Ou seja, segundo a Carta Administrativa, habitam na freguesia do Castelo, mas votam no Carvalhal.
"Mas isto tem algum jeito? Eu sou da freguesia do Castelo, mas os do Carvalhal têm razão. Não se pode agora alterar aquilo que até os mais antigos sempre conheceram assim: a freguesia do Castelo vai só até ali. Há registos de nascimentos que provam isso". Maria Helena Silva, do alto dos seus 70 anos, enfrenta sem medo e com argumentos a polémica que colocou a Sertã na ribalta.
tribunal decide
O assunto reacendeu-se em dezembro, quando foram colocadas pela Junta de Freguesia do Castelo as placas toponímicas nas duas aldeias da freguesia vizinha do Carvalhal, Lameira e Ramalhos.
No último domingo, e depois da missa, a Junta do Carvalhal juntou a população para explicar que nada tinha a ver com a colocação das placas das ruas e apelou à calma até à decisão judicial. Mas a população não quis saber e, nesse mesmo dia, arrancou os pilares de aço com os nomes das ruas de Lameira e Ramalhos, que ficaram guardadas na Junta do Carvalhal.
"Não estava cá, ligaram-me para abrir a garagem da Junta e assim vim", conta o autarca do Carvalhal, que acusa a Junta vizinha do Castelo de querer apoderar-se dos 104 hectares do seu território. "Temos um processo no Tribunal Fiscal e Administrativo de Castelo Branco a contestar os erros da Carta. E, até por isso, a colocação das placas das ruas foi uma afronta às pessoas", considera o presidente da Junta do Carvalhal, Joaquim Santos.
A população não se conforma. "O que está mal é o tribunal não decidir e depressa, evitavam-se estas coisas", diz dentro do balcão José Antunes, de 73 anos. Enquanto bebe café antes de retomar o trabalho na construção civil, o jovem Tiago Tagaio, de 26 anos, lembra a existência de provas que o Castelo recusa reconhecer. "O meu sogro tem o registo de nascimento da Lameira, que na altura pertencia à freguesia do Amparo, agora Carvalhal. Há registos!".
O tema domina as conversas do um lado e outro das freguesias. No café de Mourisco, no Castelo, dá-se preferência ao que está determinado na Carta Administrativa. "Lei é lei, mas é verdade que os terrenos pertencem ao Carvalhal há mais de um século e agora não podem vir, de qualquer forma, a pertencer à freguesia do Castelo", admite-se no estabelecimento de Serafim de Almeida.
Processo
"Quando saiu a primeira Carta Administrativa e vimos o erro, reunimos com a Câmara da Sertã em abril de 2016, que nunca quis meter-se nesta questão. Como todos os anos a carta sai errada, decidimos contestar junto do Tribunal Administrativo", conta Cátia Santos, presidente da Assembleia de Freguesia do Carvalhal. No processo estão mais de 70 documentos comprovativos da titularidade do território do Carvalhal.
"O tribunal pediu-nos documentos oficiais, reunimos essa informação, pelo que a nossa contestação está completa e entregue desde 19 de dezembro de 2018. Aguardamos", conclui a autarca ao "Jornal de Notícias".