Há 8566 estabelecimentos registados como Alojamento Local no Porto, mas até agora foram disponibilizados apenas 39 à Câmara no âmbito do programa de arrendamento de longa duração "Porto com Sentido".
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A baixa atratividade de um projeto que, em muitos aspetos, "é inovador", admite Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), explica-se com a criação, por parte do Governo, de um novo imposto que será pago sempre que seja alterado o uso do imóvel em questão. A taxa está prevista no Orçamento do Estado para 2021.
"Isto traz muitos receios por parte dos proprietários. Em vez de resolver o problema, mantém-se o obstáculo para o setor. É este tipo de instabilidade fiscal que faz com que os proprietários tenham medo de aderir a estes programas. A meio, mudam as regras do jogo", critica o presidente da associação.
A Câmara lançou o projeto "Porto com Sentido" com vista a aumentar a oferta de habitação na cidade, a preços controlados. Mas o esforço municipal estará a ser traído pelo novo imposto.
A maioria das habitações disponíveis no Porto, no âmbito do programa, é no Centro Histórico (20). Segue-se a freguesia do Bonfim, com 13 casas, e depois Paranhos, Ramalde e Campanhã. Nas freguesias de Lordelo do Ouro, Massarelos, Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde não houve interessados. Para já, também ainda não foram abertas candidaturas a possíveis inquilinos. As habitações estão a ser alvo de vistoria e depois celebram-se os contratos de arrendamento entre os proprietários e a Autarquia - que só depois os subarrendará.
Eduardo Miranda explica que foi eliminado o pagamento de mais-valias, que tinham de ser pagas quando se desistia do AL e se escolhia ir para o arrendamento. No entanto, esclarece, "agora, [com a nova taxa] há quem tenha de pagar imposto para sair e não tenha tido rendimento nenhum". Ou seja, o imposto traduz-se no pagamento, ao longo de quatro anos, de 1,5% sobre o valor patrimonial do imóvel. Caso o edifício valha 200 mil euros, o proprietário terá de pagar 750 euros por ano.
Acontece que, para quem não tem outra fonte de rendimento, o imposto representa a perda de um mês de renda, por exemplo, ou mais. "Numa época de crise, ter de pagar para sair do negócio não tem lógica", diz Eduardo Miranda.
"não vale a pena"
Manuel Ferreira, de 57 anos, é um dos poucos proprietários que decidiram aderir ao programa municipal. Para o dono de um T1 na Rua das Flores, a mudança para AL só surgiu depois do inquilino que lá vivia ter de sair, há três anos.
"Sempre estive no arrendamento tradicional. Aliás, os restantes apartamentos estão arrendados. Este espaço é que se tornou muito pequeno para o senhor, que ia ter o segundo filho, e acabou por sair", conta o também proprietário da farmácia na mesma rua, garantindo, no entanto, que o esforço em manter a casa para turistas "não vale a pena". Este ano, a quebra foi de seis mil euros. "Não tive ninguém desde janeiro", conta.
Por noite, no Airbnb, Manuel cobrava 60 euros. "Mas houve quem alugasse um apartamento a 20 euros por noite para tentar recuperar", revela o proprietário, considerando que esse valor não é suficiente para fazer a limpeza e desinfeção correta da casa.
Manuel candidatou-se ao "Porto com Sentido", sabendo que o máximo de renda serão 550 euros. "Uma das vantagens é poder receber dois anos de renda em adiantado", considera, prevendo já o arranjo do telhado, "estragado pelas gaivotas".
Matosinhos
O anúncio do programa municipal "Matosinhos: Casa Acessível", atraiu promotoras imobiliárias. O interesse das empresas significa que o concelho poderá disponibilizar casas novas e a um valor acessível aos munícipes.
Lisboa
O "Renda Segura" já lançou duas fases de candidaturas a proprietários que queiram arrendar os seus imóveis à Câmara, como acontece no Porto.
"Vivemos um momento de grande aflição"
Pres. Associação do Alojamento
Local em Portugal
Já se sente uma segunda quebra no setor, com a chegada de um novo confinamento?
No verão, e até agosto, houve quebras entre os 50 e os 60%, em cidades mais pequenas, fora do Porto e Lisboa. Mas neste momento já estão com perdas quase de 90%. O setor está parado. Nem mercado interno temos, até por conta das novas restrições ao fim de semana.
Quais seriam as eventuais soluções para diminuir o impacto da pandemia?
O importante seria, sobretudo, abrir outras portas. Caso esta questão da criação de um novo imposto na alteração do uso dos imóveis se resolva, no início do próximo ano, com certeza que muita gente poderá migrar para o arrendamento de longa duração. Porque há muitos que não têm alternativa, o imóvel não é deles, são só responsáveis pela gestão. Estamos a viver um momento de grande aflição.
Esse pagamento aplica-se a quem ainda não tenha aberto o negócio?
Exato. Alguém que tenha aberto em dezembro do ano passado, à espera de receber hóspedes a partir de março, vai ter de pagar para alterar o uso. Não tem lógica.
Que opções podem, então, os proprietários destes negócios tomar?
A solução que resta é seguir pelas opções "mid-term" [meio-termo]. Ou seja, altera-se na mesma o uso para arrendamento mas com valores muito mais elevados e durante menos tempo, durante dois ou três meses. Arrendam a estrangeiros que precisem de uma solução temporária ou até a casais que estejam a divorciar-se.