Projeto do núcleo da Rede Europeia Anti-Pobreza luta contra a discriminação.
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Dyana Kosta cresceu num orfanato na Bulgária. Aos 12 anos, começou a consumir drogas e quando atingiu a maioridade foi obrigada a sair. Conta que foi vítima de "tráfico humano" e que acabou em Leiria, a prostituir-se e a viver na rua. Também Jorge Cardinali foi sem-abrigo. Sobreviveu como arrumador de carros, agarrado ao vício da droga, o mesmo que, durante anos, amarrou Beatriz Passão. Conseguiram deixar a rua e refazer as suas vidas. Livraram-se do vício, mas não do preconceito. O "rótulo da discriminação" continuou a marcá-los. A eles e a Alice Catarino, agora reformada que foi desempregada de longa duração.
Os quatros integram o elenco da peça de teatro "Todos somos um", surgida no âmbito da campanha "Despir os preconceitos, vestir a inclusão", desenvolvida pelo Núcleo Distrital de Leiria da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN). A eles juntaram-se Laura Neto, aluna de Educação Social a estagiar na instituição, e Carmo O'Neill, profissional de teatro.
Depois de um interregno devido à pandemia, o grupo está, de novo, a apresentar a peça em escolas. O objetivo é "desconstruir preconceitos", através de mensagens que sensibilizam para "a não discriminação, o respeito pelo outro e a solidariedade", explica Patrícia Grilo, coordenadora deste núcleo da EAPN.
"O rótulo está lá sempre"
O texto da peça foi criado pela encenadora Laura Pedorno, com a ajuda dos protagonistas e das suas histórias e experiências de vida. "Todos nós já fomos vítimas de discriminação. O rótulo está lá sempre", assume Beatriz Passão, confessando que, no seu caso, a estratégia para lidar com os olhares de reprovação pelo seu passado é ignorar.
"Estou bem comigo. Não faço muito caso", afirma Beatriz, que na peça representa Emília, uma idosa para quem o filho nunca tem tempo e que se movimenta em cadeira de rodas. A ajudá-la, a personagem tem Ernesto, um menino com quem a mãe "nunca brinca", porque tem "tantas outras coisas por fazer".
Numa das passagens, a velhinha queixa-se por não aproveitarem a sua experiência e o rapaz lamenta-se porque não o deixam arriscar e experimentar coisas novas. "Procuramos passar mensagens que tenham como pano de fundo a não discriminação e o respeito por todos", salienta Patrícia Grilo. E, nada melhor do que as crianças para "educar os pais", sublinha Jorge Cardinali, o único do grupo com alguma experiência artística como "mágico e palhaço".
Dyana Kosta é uma estreante em palco. Juntou-se recentemente ao grupo, desafiada pela técnica da instituição que a resgatou da rua, a InPulsar. "Tiraram-me do buraco escuro. Já não acreditava que conseguia sair, mas houve quem acreditasse em mim e visse que tinha salvação", conta a jovem, de 31 anos, que vê na experiência do teatro uma oportunidade para se "preencher" e ser "útil". "Estou em boa companhia, com pessoas que me fazem bem".
É também o "calor humano" que diz receber dos companheiros de palco e das crianças para quem atuam que Alice Catarino mais aprecia no projeto, assim como as mensagens transmitidas, destacando aquela que realça a importância de "dar valor a todos". "Estive desempregada vários anos e, em certos momentos, senti-me olhada de lado por isso".