Projeto pioneiro e único no Mundo junta jovens de bairros e polícias há três anos e meio, em esquadra de Caxias, para quebrar distâncias e estigmas.
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Há três anos e meio, a esquadra da PSP de Caxias, Oeiras, abriu as portas aos jovens do bairro Francisco Sá Carneiro e outros do concelho, para que perdessem o medo dos polícias. Se no início "olhavam de lado" para os agentes e "mal lhes falavam", hoje dão-lhes abraços e veem-nos como "amigos". Através do projeto "Gira no Bairro", da associação Mundos de Papel, "o único no Mundo deste género", dois agentes dão apoio psicológico, ajudam nos trabalhos escolares, são treinadores de futebol e monitores em colónias de férias, atividades que os aproximam dos mais novos e da comunidade.
Mara, 14 anos, saía da escola e andava pelo bairro "a dar um giro". Numa dessas voltas, viu crianças junto à esquadra de Caxias e entrou. Gostou de ali estar e, agora, vai todos os dias. "Pensávamos que os polícias eram maus, mas depois começámos a conviver com eles e agora são como amigos", conta a adolescente.
Numa das várias salas da esquadra de Caxias, antes fechada e sem utilização, crianças de várias idades e o agente André Monteiro desenham "um momento especial com os polícias". Érica, 13 anos, emociona-se ao descrever o seu. "Neste dia eu estava mal e o agente Marco ouviu-me e ajudou-me muito, é como um segundo pai", balbucia.
Numa sala ao lado, o mesmo polícia está a ajudar Leonor, nove anos, nos trabalhos de casa. "É fácil, tens de ir pela lógica", incentiva o agente Marco Silva. Entre gargalhadas, ralhetes e reforços positivos, a menina vai conjugando o verbo subir no futuro. Foram muitos finais de tarde como este que a levaram também a subir as notas de português, de "suficiente" para "muito bom". "Agora gosto mais de estudar porque é divertido aqui", confessa.
"Inimigo número um"
Atualmente, neste projeto que pretende aproximar a comunidade das forças de segurança, há dezenas de famílias a participarem nas atividades, mas "foi um caminho difícil". "Demorámos um ano e meio a conseguir trazer as primeiras famílias, agora tivemos 30 na festa de Natal", conta Ana Santos, coordenadora do projeto financiado pelo Programa Escolhas que, no início sentia que "havia uma barreira muito grande" entre os jovens e a polícia". "Eram o inimigo número um. Não se queriam ligar a eles ou porque prenderam o pai ou porque faziam rusgas no bairro", explica.
O "desbloqueador" foi um jogo de futebol, explica o agente Marco Silva. "Vínhamos para a sala e eles olhavam para mim de lado, nem falavam. Decidimos fazer um torneio de futebol e trouxemos todos os bairros sociais de Oeiras. O Ronaldo, na altura o mais pequeno e agora o maior, veio para a equipa dos polícias e marcou golo. Quando dou por ela, estava a abraçar-se a mim, a um polícia. Foi o primeiro passo", recorda emocionado.
Marco Silva está desde o início do projeto e há uma história que não esquece. "Um dos jovens mais rebeldes que passaram por aqui deixou-me um papel que dizia: "por favor, não acabem com o projeto porque gostamos muito de estar aí". Tirou um curso, já trabalha e não tem registo criminal. Aparentemente, tivemos sucesso".
ATIVIDADES
"Há miúdos que nunca tinham saído do bairro"
Através do "Gira no Bairro", dezenas de crianças foram a colónias de férias e a parques temáticos pela primeira vez. Praticam futebol, capoeira e dança e têm acesso a apoio escolar e terapia gratuitamente. "Temos miúdos que nunca tinham saído do bairro. Vão ultrapassando os seus medos e muitos deles já dizem o que querem ser, já sonham", conta Ana Santos. A coordenadora do projeto explica ainda que é o primeiro deste género "a integrar dois polícias na equipa, que não vêm só fazer palestras, mas estão cá todos os dias". O agente Marco Silva diz que os pais notam "uma grande diferença na vida deles (jovens)". "Fazemos o papel de psicólogos e se calhar é o que falta a alguns porque os pais trabalham das 8 às 20 horas. Alguns emocionam-se por lhes proporcionarmos coisas que nunca teriam possibilidade de dar", explica. Para o agente, "estar aqui todos os dias com os mesmos é o verdadeiro policiamento de proximidade", uma das valências da PSP. Juntamente com o agente André Monteiro, passa as tardes com jovens dos bairros Francisco Sá Carneiro, Alto da Loba, Pedreira Italiana, entre outros, do concelho de Oeiras.