Os bastidores da empreitada no monumento nacional. Escavadas novas galerias para tubos e madeira com 250 anos.
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Um dia, como em tantos outros de invernia, houve uma tempestade brava o bastante para cuspir as ondas contra os edifícios da Piscina das Marés e alagar a marginal de Leça da Palmeira. Ao ponto de Fernando Rocha, atual número dois da Câmara de Matosinhos, ter dado como perdida a emblemática obra do arquiteto Álvaro Siza Vieira, que reabriu na véspera de S. João ao público após uma prolongada obra de restauro.
"Liguei para o presidente da Câmara e disse-lhe: "esqueça, não há mais piscina, porque lá de baixo não sobrou nada". Mas a verdade é que o mar se foi embora e ficou cá tudo", sorri o autarca, a invocar a "responsabilidade de saber preservar isto e honrar quem tão bem e com grande mestria o fez", na década de 1960.
Tamanha solidez já justificaria, por si só, um restauro cirúrgico no projeto de início de carreira de Siza Vieira, mas o carimbo de Monumento Nacional conquistado em 2011 ditou ainda mais restrições, e a reabilitação, à primeira vista tão discreta como a construção que se impõe pela fusão com a paisagem envolvente - a praia de Leça -, obedeceu a critérios rigorosos e teve de ser acompanhada, a par e passo, por Siza.
Foram precisos dois anos e 1,3 milhões de euros, em boa parte aplicados numa intervenção invisível para o visitante, já que "há muitíssimo poucos elementos que não são originais", aponta Fernando Rocha, lembrando as diretrizes traçadas no "parecer vinculativo da Direção Regional de Cultura e da Direção-Geral do Património Cultural" para o trabalho.
Betão, madeira e tubagens
"Os elementos mais complicados de recuperar foram o betão armado, as madeiras e outra coisa que ninguém vê, que são as tubagens", cuja substituição exigiu uma intervenção "extremamente demorada e minuciosa", já que "muitos dos tubos estavam enterrados em pavimentos de betão e passavam pelas rochas", pelo que "foram escavadas galerias, onde os [novos] tubos foram colocados", explica. E na casa das máquinas, que também é inacessível ao público, fez-se "um dos grandes investimentos", ao substituir todo o sistema de tratamento da água, que é captada no mar a partir de depósitos submersos situados a cerca de 100 metros, para poente, da piscina.
As madeiras, que são de riga, foram tratadas e recuperadas, e esse "foi outro dos processos muito demorados". "Esta madeira é a original", e tem uma "história muito interessante: resultou de demolições de outros edifícios, e estima-se que andará na casa dos 250 anos", conta Fernando Rocha, que recorda percalços da obra. Como o que surgiu na primavera deste ano, quando o mar invadia a piscina maior e estragava a tinta ainda fresca, levando a que a pintura tivesse de ser feita por quatro vezes.
E, entre outras curiosidades, "há betão com fendas", avisa o autarca, apontando exemplos da "opção do arquiteto" em zonas onde o ferro da estrutura de betão armado apodreceu e foi retirado. "As pessoas podem não achar muito normal, mas é a marca do tempo", observa.
Tem orgulho em trabalhar num espaço "único"
Bruno Silva foi "criado no meio de uma casa das máquinas", porque o pai trabalhava na Piscina Municipal de Matosinhos. Decidiu seguir-lhe as pisadas há 20 anos, e há 12 tornou-se encarregado de manutenção das piscinas municipais do concelho que o viu crescer. Mas confessa que a das Marés, que "já conhecia desde pequeno", é especial. "É bela e muito trabalhosa, é uma piscina encantadora", descreve o funcionário da Matosinhos Sport, empresa municipal que gere as piscinas camarárias.
"Este é um equipamento único no país, e é um orgulho tremendo trabalhar numa instalação destas", reconhece Bruno Silva, diante os novos tanques de filtragem das águas: em vez dos dois gigantes de cobre que serviam a piscina maior e a mais pequena, existem agora três tanques em fibra para o tanque grande e um para o pequeno.