Tapetes de flores regressam, este ano, numa festa que, em 2021, teve que ser adiada. Em garagens e lojas de centro histórico, os serões animados juntam novos e velhos.
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Mariana carrega o peso de ser a terceira geração a fazer o tapete de flores da rua de S. Bento. Cresceu ali, na casa da avó, onde, de quatro em quatro anos, havia três semanas de tardes e serões de desfolhadas animadas. Hoje, aos 18 anos, por lá continua, com a mãe a fazer jus à tradição que lhe corre no sangue. Um pouco por todo o centro histórico de Vila do Conde, por estes dias, reúnem-se vizinhos, família e amigos, "assaltam-se" os campos em busca de flores, que se desfolham, depois, pétala a pétala.
No dia 15, as toneladas de flores vão transformar-se em três quilómetros tapetes. É assim, há mais de 500 anos, de quatro em quatro anos, na procissão do Corpo de Deus, em Vila do Conde. Em 2021, adiou a festa. Os tapetes chegam, agora, com um ano de atraso, mas, ali, em garagens ou lojas, há desfolhada à moda antiga: novos e velhos, em conversas animadas, ao som de cantigas de outros tempos.
"É uma aventura: arranjar lugar para desfolhar e guardar as flores, ir aos campos colher, dias a desfolhar", explica, sorrindo, a mãe de Mariana, Ana Barbosa.
Em S. Bento são 160 metros de tapete. O Museu das Rendas de Bilros é o "quartel-general" e, conta Ana, "até estrangeiros, recentemente a viver na cidade, já apareceram" para ajudar e aprender. Os avós levam os netos. Os mais novos bebem os ensinamentos de quem, por ali, já anda há décadas.
Todos a ajudar
Nelson Azevedo e António Vitoriano assumiram o tapete do Cais das Lavandeiras. A rua, à beira-rio, tem poucos moradores e a maioria idosa. Não havia quem quisesse o trabalho. Os dois amigos arregaçaram mangas. A desfolhada é numa loja, na Praça José Régio.
No Largo Dr. Cunha Reis, Fátima e o marido são os dois únicos moradores do grupo. Vale quem vem de fora, rendido à tradição secular. Uns já ali moraram, outros tinham ali pais e avós, outros simplesmente orgulhosos da terra.
A rua da Misericórdia é a mais larga. O tapete tem 4,4 metros de largura por 140 de comprimento. Ali, em grupos, há três dezenas a trabalhar, numa mistura de gerações, em grupos à conversa. A música anima a festa.
A desfolhada começa com os "verdes". Funcho, bucho e cedro são estendidos no chão, em garagens, no cimento. Seguem-se as flores - pampilhos, hortências, rosas, gerbérias, cravos e hidranjas - que se conservam em arcas frigoríficas. O desenho dos tapetes é guardado em segredo. Têm quase sempre formas geométricas e, nos remates, monumentos da terra e temas bíblicos.
No dia 15, a partir das 22.30 horas, os tapetes ganham forma. Ninguém faz ideia da quantidade de flores, mas serão, "seguramente, toneladas". Por isso mesmo, a tradição só se cumpre de quatro em quatro anos.