Engenheiro, médica e professora aprendem a criar animais em Vila Pouca de Aguiar
Corpo do artigo
Antigamente ouvia-se: "Se não queres estudar, vais guardar ovelhas!" Os tempos mudaram. O que leva um engenheiro aeroespacial e uma médica, dois dos cursos com a nota de entrada mais alta do país, a quererem ser pastores? "O gosto pela agricultura", diz o primeiro, Henrique Granja. "O interesse pela natureza, agricultura e animais", responde a segunda, Beatriz Peixoto.
Henrique e Beatriz são dois dos 20 inscritos na Escola de Pastores do Alvão. Começou este mês e termina em outubro, em Vila Pouca de Aguiar.
Ao contrário de Tomás Rodrigues, 17 anos, de Paredes, que já tem um rebanho com 30 animais, para Beatriz, 24 anos, é tudo novo. O Porto viu-a nascer, crescer e formar-se em Medicina. Como sempre esteve na cidade, sentiu necessidade de contactar de perto com a agricultura e com a pecuária.
"Quero perceber se é algo que possa incluir no meu futuro". Quem sabe se "um plano B associado ao plano A".
Com maior ou menor ligação à vida no campo, todos estão a demonstrar grande interesse nesta iniciativa da Federação Nacional das Raças Autóctones, em parceria com a Associação Florestal e Ambiental de Vila Pouca de Aguiar (Aguiarfloresta).
O objetivo é rejuvenescer e valorizar a pastorícia e a criação de animais.
Inovar na pastorícia com utilização de drones
Henrique Granja, 24 anos, acabou no passado mês de janeiro o mestrado integrado em Engenharia Aeroespacial, no Instituto Superior Técnico de Lisboa. O objetivo é trabalhar na área, mas, por agora, procura formar-se noutra que nada tem a ver, na Escola de Pastores do Alvão. Acredita que, "no futuro, o pastor e a pastorícia vão assumir um papel muito importante em Portugal".
O jovem natural de Barcelos diz que sempre teve "gosto pela agricultura e pela pastorícia", pelo que o que encontrou em Telões, Vila Pouca de Aguiar, não foi assim tão estranho. O curso "completo e organizado" que ali frequenta está a corresponder às suas expectativas. Até porque aborda diversas temáticas, "deixando de lado aquela ideia de que o pastor é apenas o que leva os animais para o campo".
Aliás, tendo em conta a área florestal e de mato existente no país, acredita que a pastorícia "vai ter um grande papel económico e social", nomeadamente ao nível da "gestão da paisagem". Por outro lado, "é uma área com potencial para serem utilizadas novas tecnologias". E é aí que podem aplicar-se alguns conhecimentos do seu curso, seja através da "utilização de drones para fazer a gestão do território, calculando a quantidade de biomassa", seja para "facilitar o trabalho do pastor, melhorar a produção ou escolher que decisões tomar".
Henrique Granja ainda está à procura de emprego na área da Engenharia Aeroespacial, mas "só o tempo dirá" se o setor agropecuário poderá vir a ser para ele "um plano B, ou mesmo um plano A".
Saíram de Lisboa para criar gado em Santarém
Depois de dez anos a viverem em Lisboa, a professora de Informática Ana Catarina e o técnico de higiene e segurança no trabalho Davide Fraústo foram morar para uma aldeia de Santarém. Compraram uma quinta, um rebanho de 45 cabras e já produzem queijo. Ambos mantêm as profissões e procuram conciliá-las com a agropecuária. É com "muita força de vontade" que o têm conseguido. "Muitas vezes temos de nos levantar duas horas mais cedo para gerir a exploração antes de ir para o trabalho e quando regressamos é o mesmo", conta Ana, 37 anos, natural de Odivelas.
A queijaria artesanal começou a funcionar há meio ano, pois "era preciso dar algum destino ao leite". A gestão tornou-se ainda mais pesada. "É um esforço grande para os dois. A miúda também nos ajuda bastante". Por este andar, a Informática "pode passar para segundo plano", embora reconheça que é uma área que, "cada vez mais, pode ser desenvolvida à distância". Por outro lado, as grandes explorações estão a ser mais informatizadas, pelo que esta também poderá ser a aposta na quinta do casal, já que o objetivo é "chegar às 600 cabras", deseja Davide Fraústo, alentejano de 29 anos, natural do concelho de Moura.
Defensores de uma pastorícia extensiva, com mais liberdade e tranquilidade para os animais, inscreveram-se na Escola de Pastores do Alvão para aprender outras práticas e levá-las para o Ribatejo, onde predomina o método intensivo. "Não podemos continuar a fazer os mesmos erros sistematicamente. Temos de mudar e fazer a diferença", prometem.