Ativista da SOS Racismo processada por acusar Junta de expulsar sem-abrigo que dormem em tendas
A presidente da Junta de Freguesia de Arroios apresentou uma queixa-crime contra a dirigente da SOS Racismo Mariana Carneiro no Tribunal da Comarca de Lisboa, por um crime de difamação, alegando "declarações falsas" proferidas em Assembleia Municipal.
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Numa declaração escrita enviada à Lusa, Madalena Natividade, eleita pelo CDS-PP, explicou ter apresentado esta semana queixa-crime contra a dirigente da SOS Racismo por "declarações falsas" ditas em reunião de Assembleia Municipal, em 16 de abril.
"Respeito profundamente a liberdade de expressão, mas não posso aceitar falsidades especialmente ofensivas, que não fazem qualquer sentido. São especialmente ofensivas porque as pessoas em situação de sem-abrigo na Igreja dos Anjos são na sua maioria imigrantes e eu, que também o fui, quando vim muito nova de Moçambique e vivi em condições muito difíceis (...), não admito que ponham em causa o respeito que tenho pelas pessoas nesta situação", pode ler-se na nota.
Em causa estão declarações de Mariana Carneiro, na reunião na Assembleia Municipal de Lisboa realizada em 16 de abril, de que a Junta de Arroios tinha tentado expulsar os sem-abrigo que estão em tendas naquela freguesia.
Contactada pela Lusa, Mariana Carneiro manifestou-se surpreendida com a queixa-crime, considerando-a "surreal" por o processo ter sido levantado em declarações feitas "num espaço de cidadania ativa e participativa".
"Até ao momento ainda não tive conhecimento da ação intentada. Acho estranho que me esteja a ser movida a ação já que não estamos a falar de um cidadão comum, mas sim do executivo da junta, que sabe estar sob escrutínio público e político. Eu fiz as declarações num espaço público aberto aos cidadãos e aos fregueses", disse à Lusa.
A dirigente da SOS Racismo explicou que participou na reunião da Assembleia Municipal "enquanto cidadã, munícipe e freguesa de Arroios", para informar sobre o que se tinha passado no jardim dos Anjos pelos imigrantes que lá se encontravam.
"Foram os imigrantes que me vieram abordar - um senegalês, um indiano e outro argelino - dizendo que a presidente da junta lá tinha estado e que teriam de sair até às 17 horas do dia seguinte", explicou a ativista, referindo que identificou a autarca pela descrição que lhe fizeram da pessoa e ao mostrar uma fotografia de Madalena Natividade através do telemóvel.
De acordo com Mariana Carneiro, a polícia municipal que se encontrava no local também confirmou que havia a indicação para as pessoas saírem das tendas instaladas no local, sem que tenha sido apresentada qualquer alternativa de alojamento.
Na queixa-crime, acompanhada por um pedido de indemnização cível, Madalena Natividade refere-se "a afirmações proferidas (...) durante a Assembleia Municipal (AM) de Lisboa de 16 de abril" que "são severamente ofensivas" da sua "honra e consideração (...) tanto a título pessoal como na qualidade de presidente da junta que serve".
De acordo com a autarca, a dirigente do SOS Racismo afirmou então que "na Igreja dos Anjos, onde já houve várias tentativas de expulsão das pessoas, nomeadamente, há cerca de um mês e meio, a presidente de junta local, Srª Natividade , esteve a ameaçá-los [a pessoas em situação de sem-abrigo que ali se encontram] para que eles tivessem menos de 24 horas para sair dali sem qualquer outra alternativa".
Segundo ainda Madalena Natividade, a dirigente do SOS Racismo disse também que "foram as associações, foram os coletivos, foram os próprios migrantes e foi a comunicação social que o impediu".
Na queixa-crime, a presidente da junta refere que Mariana Carneiro "sabia que as imputações que fazia à senhora presidente, que identificou como Sr.ª Natividade , eram falsas, já que a mesma nunca tinha assumido qualquer comportamento ou determinado qualquer atuação dos seus serviços com vista à expulsão das pessoas sem-abrigo que se encontram junto à Igreja dos Anjos e menos ainda os esteve a ameaçar de que teriam menos de 24 horas para sair dali".
No documento, a presidente da junta alega que a "conduta ilícita" de Mariana Carneiro "tem sido reiterada" uma vez que "já antes tinha imputado (...) comportamentos desumanos, ilícitos e discriminatórios a esta autarca, nomeadamente, dizendo que a JF de Arroios fazia desta freguesia um balão de ensaio para políticas de perseguição de pessoas migrantes e ainda que os coletivos repudiavam o ataque da Junta de Freguesia de Arroios a direitos dos imigrantes, sustentando esta afirmação com a imagem" de Madalena Natividade.
Na queixa é também referido que Mariana Carneiro "não ignorava a falsidade do que imputava" à autarca e que o fez de "forma deliberada e consciente, com a intenção de afetar o seu bom nome, reputação, honra e dignidade".
De acordo com a queixosa, a dirigente da SOS Racismo "lança suspeições e faz imputações, mas nunca concretiza qualquer facto usando, outrossim, uma linguagem desbragada e ofensiva".
Várias pessoas pernoitaram durante algum tempo em tendas, junto à igreja dos Anjos, em Arroios, e imediações, sobretudo imigrantes que pretendiam ver a sua situação regularizada em Portugal.