O presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, defende que os municípios integrem, a par do Estado, a gestão da STCP. A poucos dias do arranque das Conferências de Gaia, agendado para o dia 11, o autarca lamenta a perda de poder das instituições do Norte.
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As Conferências de Gaia, promovidas pelo Município de Gaia e pelo Jornal de Notícias, surgem num momento em que o discurso na região tem sido isolado e disperso.
É verdade, mas resulta de um instrumento da Administração Central para tirar força à região com a aposta numa negociação muito individualista. Nos últimos anos, as instituições da região perderam poder e ganharam distância ao Poder Central. A Junta Metropolitana sente muita dificuldade de afirmação e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte) está transformada numa correia de transmissão do Poder Central. A própria Frente Atlântica vive um impasse face à ausência de instrumentos do Quadro Comunitário de Apoio (QCA). Já não é apenas um empobrecimento socioeconómico, mas também uma perda de elites e um empobrecimento da capacidade de influência da região junto do Poder Central. Temos de reconquistá-lo.
Com a CCDR-Norte reduzida a câmara de ressonância do Governo, impõe-se que outros assumam as despesas da defesa regional?
Sim e tem sido tentado. Precisamos de institucionalizar essa voz. A CCDR-Norte, um instrumento institucional que repercutia, de forma organizada, a voz dos autarcas e das elites regionais junto do Poder Central numa lógica de contrapoder, transformou-se num braço do Governo na região a impor de forma unilateral. É exemplo o que aconteceu com o QCA em que os autarcas foram postos perante factos consumados com uma margem de discussão muito reduzida. Isso prejudicou-nos, porque a execução de parte do QCA pelos municípios é absolutamente decisiva para a melhoria da qualidade do território. Se perde a região, julgo que perde todo o país.
É o momento para António Costa promover a eleição direta do presidente da CCDR-Norte?
É o momento para refletir com serenidade e aplicar a medida em prazos razoáveis. Teria de ser nesta legislatura, de modo a que tivesse tradução no novo ciclo autárquico.
Os Transportes lançam as Conferências de Gaia. A mobilidade está entre as prioridades?
Os Transportes, enquanto tema estratégico e multidimensional, cruzam-se com duas áreas decisivas: a reabilitação urbana e o QCA. Estamos a sublinhar a necessidade estratégica de assumir os Transportes como forma de desacantonar a região da lógica periférica que a caracteriza. Não podemos ter a Galiza a desenvolver-se a uma velocidade enorme nas rodovias e, sobretudo, nos caminhos-de-ferro e nos aeroportos e deixar a região Norte ficar para trás. Não é investir em betão, é investir de forma inteligente em estratégias de mobilidade sustentáveis e ecoeficientes. Aí há duas áreas fundamentais: o alargamento da linha do metro e o comboio. Nesse sentido, já devíamos estar discutir a reprogramação do QCA. Houve equívocos devido a um excessivo centralismo e a uma excessiva crença de que o QCA seria mais bem gerido por empresas do que pelos municípios.
Para o metro crescer precisa de fundos europeus e não tem. É por isso que defende a reprogramação do QCA?
Claro. O Metro do Porto não tem fundos europeus ao contrário do que sucede com o Metropolitano de Lisboa. Este país tem que ser coeso. Se há dinheiro para o Metropolitano de Lisboa, tem que haver para o Metro do Porto. O metro só se tornará sustentável, quando se alargar a zonas onde há clientes que podem sustentar a própria empresa. A Linha Amarela é muito pequenina, mas é altamente lucrativa. Olhar para o projeto de ampliação de rede é pensar em linhas que se tornem sustentáveis para a sobrevivência da empresa.
Quais são as linhas prioritárias?
Há duas linhas importantes para Gaia e Gondomar. Em Gaia, defendo um traçado perpendicular à Linha Amarela que ligue ao Hospital de Gaia, via Cedro e Laborim, sirva a Arrábida e cruze para o Campo Alegre.
Não é uma quimera pensar que há dinheiro para uma segunda ponte sobre o rio Douro na Arrábida?
Não. Uma ponte no Douro custa o mesmo do que um pilar de uma ponte sobre o Tejo. Temos de relativizar o nosso nível de exigência. Não podemos viver com o constrangimento de que, para a região Norte, temos de pedir investimentos minimalistas, porque não há muito mais. O Norte contribui enormemente para o Orçamento do Estado e estes investimentos têm uma componente comunitária decisiva. Uma nova ponte sobre o Douro não é um problema para a sustentabilidade. Insustentável é ter diariamente a ponte da Arrábida a abarrotar de automóveis, significando perdas evidentes ambientais e económicas.
Deve ser feita de uma vez só ou de forma faseada, começando pela expansão até ao hospital?
Terá de obedecer a uma lógica etápica. Esse etapismo poderia ser partilhado com o etapismo noutras linhas importantes, como a ligação a Gondomar. Não tenho a visão paroquial e localista de que só a linha de Gaia é importante. Mas é um facto de que o serviço ao hospital, Laborim, Cedro e Vila d' Este trará 50 mil potenciais utentes ao metro. Levá-lo à Arrábida significa abranger mais 70 mil entre Santo Ovídio e Arrábida, para além da aproximação à Boavista e às faculdades da Universidade do Porto. O Governo anterior anulou, pura e simplesmente, qualquer expectativa de crescimento às linhas mais lucrativas e rentáveis da Metro do Porto, o que é irracional do ponto de vista económico.
Em Gondomar, a opção seria pela ligação por Valbom...
Há duas opções, mas a de Valbom parece ser a mais importante. Tem de assumir-se uma lógica de planeamento com desprendimento e disponibilidade para conceder prioridade a concelhos vizinhos numa lógica integrada e não numa lógica paroquial e provinciana.
Muitas vezes, tem-se defendido a prioridade para a linha do Campo Alegre, no Porto...
É verdade e é uma linha que poderia beneficiar Gaia, se for construída a travessia sobre o rio Douro. Estou disponível para essa discussão. Não estou bloqueado na linha do Hospital de Gaia. No entanto, o Município de Gaia tem uma proposta mais barata de ligação ao hospital por Laborim, que permite reabilitar aquela zona da cidade e servir muito mais gente.
A reversão das concessões da STCP e da Metro estão em marcha, mas o PCP e o BE querem os privados fora da Metro. Concorda?
Não tenho a certeza de que o Governo queira reverter o processo da Metro. Se o fizer, tem que ser muito bem explicado. A luta dos autarcas não foi contra a concessão da Metro, mas da STCP. Sempre defendemos a separação de processos. No caso da Metro, o que tem corrido mal é o modelo de investimento. A operação tem corrido bem com crescimentos sustentáveis. O erro reside no modelo de concessão da STCP, porque não salvaguarda a bilhética, a empresa e os trabalhadores. O Governo anterior decidiu unilateralmente, fez de conta que nos ouviu e depois ignorou-nos. Acredito nas boas intenções do primeiro-ministro e na reversão da concessão da STCP. Provavelmente para reverter a concessão da STCP, terá de suspender a concessão do Metro, porque funcionam como um bloco. Mas não creio na nacionalização da operação da Metro.
O Governo terá margem de manobra, uma vez que necessita do apoio parlamentar do BE e do PCP?
Acredito que haverá um diálogo muito forte e cada um perceberá que o ótimo é inimigo do bom. Não será possível aos partidos conseguirem tudo o que são os seus apostolados ideológicos. Creio que a prioridade será a STCP e trataremos da Metro do Porto adiante. Resolvida a concessão da STCP, avançaremos para uma reestruturação da empresa que corresponda ao alargamento da sua área de influência e ao reforço do seu potencial.
O que acha da municipalização da gestão da STCP?
Por princípio acho bem, mas este é o contexto mais difícil para a operacionalizar. Os municípios têm sido maltratados pelo Orçamento de Estado e pelo QCA. Mais uma vez, defendo a combinação de gradualismo com algum pragmatismo. Numa primeira fase, espero que o Estado reveja os elementos fundamentais do funcionamento da empresa e depois articule com os municípios. Não numa lógica de municipalização a 100%, mas de integração dos municípios no modelo de gestão.
Passando a ser acionistas, como sucede com a Metro?
Por que não? Seria uma grande oportunidade para os municípios, sobretudo aqueles que são servidos pela STCP. Passariam a ter uma palavra ativa e vinculativa no desenvolvimento da STCP. E ser apenas um município a assumir a gestão? Isso vejo com alguma dificuldade. Só se for por ausência de vontade dos demais. O modelo de gestão tem que ser compatível com a rede de serviço da STCP. Estamos absolutamente disponíveis para um consórcio de intermunicipal alargado com a participação do próprio Estado, na condição de que o serviço melhore e se reforce em Gaia.
Os empresários a Norte têm defendido a ligação rápida ferroviária para mercadorias por Aveiro até Salamanca, em detrimento da solução a partir de Sines a Sul. Qual é a sua opinião?
Sou sensível à ligação por Aveiro, até porque o tecido económico e empresarial da região assim o exige. A região não pode passar sem essa ligação. Há um equívoco neste debate. A questão não se põe em alternativa: Sines versus Aveiro. Põe-se numa lógica de complementaridade. As duas ligações são fundamentais. O que eu tenho visto é a de Sines a andar e a de Aveiro parada. Mas isso não pode inibir o reconhecimento de que a nossa relação com a Galiza não pode encontrar uma barreira na fronteira, até do ponto de vista histórico, económico e político.