As populações de Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande e Sertã, na Região Centro, recusam-se a aceitar a instalação de uma central fotovoltaica flutuante na albufeira do Cabril, no rio Zêzere, com 82 368 painéis solares, e prometem endurecer as formas de luta para impedir o projeto da Voltalia, uma empresa privada.
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Indignados por não terem sido consultados, os autarcas reuniram-se com políticos e com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), promoveram petições e mobilizaram o apoio das comunidades intermunicipais da Beira Baixa e das Regiões de Leiria e de Castelo Branco. Se não houver um recuo, ameaçam apresentar uma providência cautelar e cortar o IC8.
“Seria um atentado”
“Se este projeto fosse proposto por uma câmara ou por uma junta seria considerado um atentado”, afirma Manuel Dias, presidente da Junta de Pedrógão Pequeno, na Sertã. “Fazer um pequeno parque de merendas é visto como um crime de lesa-pátria, e isto, não é?”, questiona. Carlos Miranda, presidente do Município da Sertã, também contesta que seja “proibido realizar projetos de desenvolvimento junto às albufeiras, mas o Estado Central considera pertinente colocar 33 hectares de painéis fotovoltaicos dentro da própria albufeira”. “Isto traduz uma arrogância enorme do Estado”, diz em comunicado.
Preocupado com o “impacto brutal” que os painéis flutuantes terão na prática de desportos de natureza, nos hotéis e na pesca, Manuel Dias enviou um “ofício simbólico” a diversas entidades a contestar o projeto. “Cabe-nos dar voz à população, mas sabemos que não temos qualquer importância”, comenta. Teme ainda que a central fotovoltaica possa comprometer o abastecimento de aeronaves e de viaturas dos bombeiros. Sem água na rede pública, foi graças à barragem que evitaram que a área ardida fosse superior a 70%, a 16 de outubro de 2017. Garante que a hipótese de cortar o IC8 “não está afastada”.
António Lopes, edil de Pedrógão Grande, afirma que a população também se tem mobilizado, em abaixo-assinados, para travar a instalação de painéis solares, e equaciona avançar com uma providência cautelar. “No 10 de Junho de 2024, manifestaram o seu desagrado em outdoors”, recorda. Receia prejuízos para o ambiente, qualidade da água, turismo e desenvolvimento económico, sem “compensações”.
Quero, posso e mando
“Deixa-nos estupefactos que o Plano de Ordenamento das Albufeiras (POA) não permita este tipo de equipamentos e que o Estado o esteja a promover. É o quero, posso e mando”, acusa António Lopes. “A cereja no topo do bolo é a instalação de uma rede de alta tensão entre Pedrógão Grande e Penela, quando o nosso concelho já é atravessado por várias”, afirma. “Com o coberto florestal que temos, as alterações climáticas e as trovoadas, cada vez mais violentas, sinto uma grande preocupação com as descargas elétricas”, assume.
“Temos um espaço de lazer com uma piscina flutuante, que quisemos melhorar, mas o POA não permite. E faz-se tábua rasa de tudo para se instalar uma central fotovoltaica?”, questiona Jorge Custódio, presidente da Câmara de Pampilhosa da Serra. “Estamos a falar de uma área equivalente a 34 campos de futebol”, compara. Apreensivo com as consequências para o turismo de natureza e postos de trabalho, diz que não pode “vender o território com painéis flutuantes”. “Para algumas instituições, parece que o Interior é um problema, mas é aqui que mantemos a água do Zêzere, que abastece a capital, no seu estado puro”, lembra. O autarca considera que ainda é possível reverter este processo. “Acreditamos que o Governo e as instituições são de bem, mas a revolta das pessoas é tal que podemos assumir posições radicais”, avisa.
“A consulta pública teve uma participação expressiva, refletindo a preocupação das comunidades”, comenta fonte do Ministério do Ambiente. “Compete agora à APA analisar os contributos e ponderar as questões ambientais, técnicas e legais”.