Com a Banca de saída, unidades hoteleiras tomam conta dos edifícios da sala de visitas do Porto. Também há casas e lojas de luxo.
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Sem turistas, com escritórios fechados, dependências bancárias encerradas e com menos trânsito, a Avenida dos Aliados continua em mudança profunda, mesmo em tempo de pandemia. O emaranhado de gruas denuncia mais obras e investimentos a pensar num futuro sem covid-19, com ainda mais hotéis, lojas e apartamentos de luxo. A chamada sala de visitas do Porto já teve, em pouco mais de um século, vários usos e costumes e continua a ser a imagem de uma cidade em constante transformação.
"A cidade tornou-se atrativa, gerou riqueza, ofereceu emprego e o centro voltou a ter as ruas cheias de gente graças ao turismo, aparecendo por consequência novos negócios e novas oportunidades", diz o geógrafo Jorge Ricardo Pinto.
Um novo conjunto de edifícios devolutos estão prestes a entrar em obras e outros já têm intervenções em curso. A esmagadora maioria destina-se à hotelaria, juntando-se a espaços emblemáticos como o Intercontinental ou o mais recente Monumental. É o caso do prédio onde funcionava a dependência do Novo Banco ou do que albergava o Santander. Ambos serão transformados em hotéis e o rés do chão do segundo terá comércio.
Caixa só mantém Culturgest
Um pouco mais abaixo, na esquina da avenida com a Rua da Fábrica, o antigo prédio da Tranquilidade receberá apartamentos de luxo, à semelhança do que foi feito na antiga sede do jornal "O Comércio do Porto". Também aqui funcionou durante décadas a delegação do "Diário de Notícias" e a loja Unic.
"Inaugurada em 1923, era uma casa muito conceituada e conhecida por ter uma águia embalsamada à porta", conta Paula Vieira, mais de duas décadas no balcão do estabelecimento e agora no Baratom, pertencente ao mesmo grupo e a funcionar um pouco mais acima.
A Caixa Geral de Depósitos também está a abandonar o imponente edifício, mantendo contudo no rés do chão a Culturgest, e aguardando restauro está também o edifício onde funciona o McDonald"s/Imperial, onde nascerá mais um hotel. A emblemática tabacaria Deus dá a Sorte encerrou, mas a cadeia de fast food será mantida com o novo projeto. Ao lado do Monumental, restaurado pelo empresário Mário Ferreira e depois vendido à empresa francesa Paris Inn Group, constrói-se outro hotel, e ainda mais outro, no outro lado da avenida, o Plaza, na antiga Casa da Saúde dos Aliados, desta vez pela mão do empresário Filipe Barrias (dos cafés Majestic e Guarany).
A renovação do edifício Axa pela cadeia Eurostars está praticamente pronta, com 144 quartos. E a antiga sede do F. C. Porto continua a ser transformada numa unidade hoteleira. Junto à Câmara, o Palácio dos Correios, depois de grande intervenção, já alberga a sede da Área Metropolitana do Porto e a empresa tecnológica Bold. No rés do chão são visíveis as montras das lojas que vão receber marcas de luxo.
Novos usos e costumes
"Durante anos, tínhamos muitos clientes, sobretudo bancários. Ultimamente, trabalhávamos bem com os turistas e o importante é que haja vida na avenida. Devia haver mais lojas abertas", considera André Silva, gerente do Café Aliança, com mais de 70 anos. Depois da Banca, o turismo. "Daí que não seja de estranhar que, uma vez mais, seja aquela que aparentemente é a principal atividade económica da cidade a tomar conta do seu centro, que passou de certo modo a ser um centro no nosso imaginário, pois, para além das festas do F. C. Porto e da passagem de ano, a população não se concentra, e nunca se concentrou, naquela artéria", explica o arquiteto Jorge Garcia Pereira.
E até mesmo o espaço público e a forma como é utilizado é hoje diferente. "Tenho saudades dos canteiros de flores e dos desenhos da calçada portuguesa que existiam antes da intervenção da Porto 2001. Dava gosto vir para aqui passear. Hoje é só hotéis, a avenida mais parece uma eira para secar milho", refere José Ferreira, hoje reformado mas que durante 36 anos trabalhou ali, na Câmara do Porto.
Jorge Ricardo Pinto considera que a "monocultura do turismo" faz com que, sobretudo na Baixa e no Centro Histórico, tenha havido nos últimos anos mais turistas do que residentes. "Há mais população flutuante do que residente, ou seja, quem ocupa o centro da cidade é gente que não tem uma relação de pertença com o lugar, mantendo uma relação com o território de distância". Disso resulta "a perda de sentido de lugar, de laços de afetividade, permitindo a reconfiguração de um espaço que mais parece um parque temático", explica.
História
O rasgar da avenida
Ruas e vielas deram lugar à avenida cujo projeto de construção arrancou a 1 de fevereiro de 1916. O lançamento da primeira pedra contou com a presença do então presidente da República, Bernardino Machado.
A nova Câmara Municipal
Para o rasgar da avenida foi demolido o palacete onde funcionava a Câmara do Porto, no topo sul. Os novos Paços do Concelho começaram a ser construídos em 1920, no topo norte, mas apenas ficaram concluídos em 1957, sobressaindo a torre com 70 metros de altura.
Edifícios imponentes
Nos monumentais edifícios já se instalaram o Banco de Portugal, a Caixa Geral de Depósitos, as sedes dos principais jornais, de bancos privados, de companhias de seguros e de diversas empresas. Mas também consultórios médicos, escritórios de advogados e engenheiros e ateliês de arquitetos.
Cafés e confeitarias
Ao longo dos tempos, os Aliados tornaram-se local de passeio e de convívio. Proliferaram cafés, como o Astória, o Guarany, o Imperial, o Embaixador, o Monumental e confeitarias de prestígio, como a Ateneia ou a Avenida.
Manifestações populares
Em dias de festa é ali que todos se encontram. Nas passagens de ano, no S. João, sempre que o F. C. Porto vence o campeonato nacional ou em concertos ao ar livre. Memoráveis as visitas papais ou da rainha Isabel II, mas sobretudo a celebração do 25 de Abril de 1974 e o 1.º de Maio que se lhe seguiu.
Jardins retirados
A placa central da avenida foi ajardinada até 2006, altura em que foi remodelada para a criação da Linha Amarela do metro, com projeto dos arquitetos Souto Moura e Siza Vieira que gerou polémica.