Foram duas horas de tensão máxima. "Mayday, mayday". Eram 13.33 horas de domingo quando o piloto repetiu o sinal internacional de emergência à torre de controlo.
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Sem domínio sobre os instrumentos logo depois de descolar de Alverca, o piloto da Air Astana, do Cazaquistão, quis regressar ao aeroporto ou amarar no rio ou no mar. Mas acabou por percorrer os céus de Lisboa, Santarém e Évora até aterrar, à terceira tentativa, na base da Força Aérea de Beja. Foi o melhor desfecho possível olhando a que o avião estava "completamente descontrolado", fazendo elevar o nível de risco.
O que levou a aeronave a perder o controlo dos instrumentos ainda será apurado, até porque se trata de um aparelho novo: saiu da fábrica da Embraer de São José dos Campos, Brasil, em dezembro de 2013. O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários foi uma das muitas entidades acionadas e já começou a questionar os dois pilotos e quatro técnicos que seguiam a bordo. Os seis estão bem de saúde, mas os dois pilotos precisaram de ajuda médica: um cazaque, de 36 anos, saiu às 17.30 horas do hospital, e um inglês, de 54 anos, teve alta às 19 horas.
De 20 para cinco mil pés
À saída do avião, apurou o JN, os tripulantes contaram que perderam o controlo total do painel de instrumentos, que o avião se tinha despressurizado e que tiveram uma repentina perda de altitude, de 20 mil para cinco mil pés. Em 30 anos de atividade, confessava o piloto inglês, nunca tinha vivido situação semelhante.
Na transcrição das comunicações com a torre de controlo, os pilotos admitem primeiro regressar a Alverca, de onde tinham descolado para um voo de ensaio, após manutenção da aeronave na oficina das OGMA. Logo depois, pedem direções até ao oceano Atlântico.
Sem instrumentos de navegação, só com controlo manual, perguntam pelo tempo. "Não conseguimos controlar o avião. Têm alguma área onde o tempo esteja melhor? Precisamos de condições visuais para aterrar", insistia o piloto, 17 minutos depois do alerta.
Após várias mudanças de rumo, por cima de Lisboa e Santarém, às 14.34 horas os dois caças F16 da Força Aérea estabeleceram contacto e começaram a dar informação técnica que os pilotos do Embraer não conseguiam extrair dos instrumentos.
Força Aérea assume comando
Desde o primeiro minuto, esta foi uma operação de busca e salvamento aéreo e, por isso, caiu sob a alçada da Força Aérea, explicou ao JN Manuel Cordeiro, adjunto nacional de operações da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC). Em Lisboa, os meios de salvamento foram sendo acionados, seguindo a trajetória do avião [ler página seguinte].
Primeiro, a hipótese de amarar, levantada pelo próprio piloto do Embraer. Manuel Cordeiro adiantou que esteve em cima da mesa amarar no estuário do Sado, mas o mau tempo e a falta de visibilidade abortaram essa hipótese. Logo depois, os pilotos começaram a ganhar algum controlo da aeronave e foram alcançados pelos F16, abrindo a possibilidade de aterrar o avião em Beja, na pista da base da Força Aérea. Manuel Costa, porta-voz da Força Aérea, explicou que a base alentejana era "o local ideal" por três razões: as condições climatéricas, a grande dimensão da pista e a inexistência de tráfego aéreo. Quando o Embraer chegou a Beja, já estavam acionados todos os meios de socorro da Força Aérea, bem como os destacados pela ANPC. A ajudar esteve o facto de, na semana passada, se ter realizado um simulacro de aterragem de emergência, como lembrou o comandante do Centro Distrital de Operações de Socorro de Beja, Vítor Cabrita. O ministro da Defesa, Gomes Cravinho, elogiou a atuação dos militares.
A aterragem do avião, às 15.25 horas, e à terceira tentativa, foi notícia em todo o Mundo.
Comunicações com a torre de controlo
Durante uma hora, até à chegada dos dois caça F16 da Força Aérea, o piloto do Embraer da Air Astana deu conta da perda de controlo sobre o avião, pediu informações sobre o estado do tempo e insistiu em ter direções para chegar ao mar. Era aí ou no rio (Tejo ou Sado) que pretendia amarar a aeronave.
PILOTO - "Mayday, mayday, mayday! Temos problemas de controlo. Voo 1-3-8-8 pede para voltar ao aeroporto"
TORRE DE CONTROLO - "Tem contacto visual com Alverca?"
PILOTO - "Seis pessoas a bordo do avião. São problemas de controlo. Temos controlo manual. Queremos pousar no mar"
TORRE DE CONTROLO - "Quer mar ou rio?"
PILOTO - "Talvez o mar. Mais espaço para desacelerar. Precisamos de tempo melhor"
TORRE DE CONTROLO - "Consegue encontrar o mar em cerca de 3-6 milhas se seguir na direção 2-1-0, da sua posição atual"
PILOTO - "Precisamos de coordenadas para o mar"
TORRE DE CONTROLO - "Virem à esquerda e eu digo-vos quando estiverem virados para o mar e poderem parar de virar"
PILOTO - "Como está o tempo por baixo de nós?"
TORRE DE CONTROLO - Não sei como está o tempo"
PILOTO - "Estamos numa tempestade (...) Onde podemos aterrar?"
TORRE DE CONTROLO - "Dois caças F-16 que estão agora a voar na vossa direção para tentar ajudar-vos na navegação"
PILOTO - "Estamos à espera de uma aterragem de emergência. O avião está completamente incontrolável"
TORRE DE CONTROLO - "Têm o mar a 26 milhas a Oeste da vossa posição"
F-16 - "Kilo Zulu Romeo, daqui a Força Aérea Portuguesa. Estamos a 60 milhas ao norte da sua posição, vamos tentar intercetar-vos e dar-vos a assistência necessária. Como podemos ajudar?"
O filme de duas horas de socorro
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Avião descola após manutenção - Feita a manutenção nas oficinas da OGMA em Alverca, o Embraer iniciou um voo de teste. A bordo levava dois pilotos e quatro técnicos, para se certificarem que todos os sistemas estão operacionais. As falhas começaram logo depois, com o avião a ter um trajeto errático.
Força Aérea alerta para emergência - Eram 13.33 horas quando o piloto enviou à torre de controlo um alerta de emergência. Quinze minutos depois, a Força Aérea alertou a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC). Havia uma falha generalizada nos instrumentos de navegação da aeronave. A primeira decisão já estava tomada: largar combustível, tentar regressar a Alverca ou amarar no Tejo, no Sado ou no mar.
Admitido fechar trânsito nas pontes - Após o alerta da Força Aérea, a ANPC alertou os comandos distritais de Lisboa e Setúbal, a Autoridade Marítima Nacional, a Marinha, as capitanias e o INEM. E alertou os dois comandos distritais da GNR e a Lusoponte, para o caso de ser preciso fechar ao trânsito as pontes Vasco da Gama e 25 de Abril. Chamou também o gabinete que investiga acidentes com aeronaves.
Mau tempo aborta plano A - A primeira opção (o rio) foi abortada: sem instrumentos, só a navegação à vista permitiria amarar e as condições meteorológicas não o permitiram. Quando se preparava para amarar no Tejo, o piloto ganha algum controlo. E começou a ser acompanhado por dois F16. Abriu-se a possibilidade de aterrar em aeroporto.
Pista longa e sem casas em volta - Onde? - era a pergunta. Lisboa, carregada de tráfego aéreo e inserida na malha urbana, foi afastada. A base de Beja, com uma pista mais longa do que a do aeroporto de Faro e sem casas num raio de cinco quilómetros, foi a opção, tomada uma hora depois do alerta inicial.
Nova ronda de alertas - Com o avião num novo rumo, a ANPC lança outra ronda de alertas. O comando distrital de Beja recebeu ordens para mobilizar viaturas de extinção e desencarceramento e acionar bombeiros. O INEM foi também enviado. Como só havia seis pessoas a bordo, não foram acionados bombeiros de outros distritos. A Força Aérea estava mobilizada a 100%.
À terceira tentativa, avião aterra - As informações via rádio pelos F16 ajudaram a pousar o Embraer na base militar, até porque o piloto não a conhecia. Mas foram necessárias três tentativas para aterrar em segurança.
Os meios de socorro da Base Aérea de Beja tinham sido testados na passada quinta-feira. Um exercício simulou a aterragem de emergência de um avião com 80 pessoas a bordo, sob ameaça de bomba, e depois a detonação dessa bomba. Além das Forças Armadas, estiveram envolvidos corpos de bombeiros, serviços de saúde pública e forças de segurança. Estes exercícios são obrigatórios para manter o Certificado de Aeródromo.