Esmeralda Mateus é uma verdadeira assistente social sempre pronta a auxiliar quem precisa. Moradores elogiam espírito no bairro onde todos se dão bem. "Não trocava por nada", garante Jéssica Soares.
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Esmeralda nunca pára, a não ser para conversar com quem precisa de ser ouvido ou para olhar por quem pede amparo. "Sabe o que é uma barata tonta?". Sorri e dá meia volta junto ao balcão do café da Associação de Moradores do Bairro de Aldoar, 16 blocos inaugurados em 1968, em zona privilegiada do Porto, para realojar quem vivia "a um passo do mar", mas sob o manto da miséria do bairro de lata de Xangai, onde é hoje o Parque da Cidade.
"Sabe o que é pobreza?". O olhar de Esmeralda Mateus fixa Maria Cristina, que está sentada a lanchar, encolhida nos 82 anos amargos - o filho consome droga e consome-lhe os rendimentos. Os olhos ficam-lhe líquidos: "Muitas vezes, quero comer e não tenho, e ela ajuda-me". Ela é Esmeralda, que num segundo sai disparada para a porta do bar, a ver se a brisa que corre lhe seca as lágrimas que já não foi a tempo de conter. É mulher de garra e de causas. Cresceu sem saber o que era ter uma torneira em casa, numa das barracas plantadas à beira-mar, mas não renega as origens.
"Atão? Era de Xangai; a gente não tinha água e a luz era roubada, mas também atravessávamos a rua e íamos para a praia tomar banho", resume.
"Fazem-se muitos filhos"
Liderou, a partir de 1987, a Comissão de Moradores de Aldoar e há duas décadas que preside à associação. Tem 73 anos e a genica de quem vai ainda nos 50. Diz que só dá o que pode a quem lhe pede auxílio, mas peca por defeito: na verdade, Esmeralda dá tudo - o tempo, o trabalho, a atenção, o cuidado, o conforto. Em Aldoar, é como uma assistente social, "mas sem ser", e ali até já vestiu defuntos. "Às vezes, vou encontrá-los mortos em casa. Tenho as chaves e vou lá acima, ver como estão, e já aconteceu isso", recorda. Vê o bairro "envelhecido, por ser quase tudo acima dos 60 anos", mas dispara logo a seguir, num sorriso: "Também temos muitas crianças, porque aqui fazem-se muitos filhos".
Tenta acudir a todos
Entre idosos com rendimentos baixos, desempregados e mulheres sozinhas com filhos, Esmeralda sabe das agruras de cada um dos cerca de mil moradores do empreendimento social e tenta acudir a todos, mas vê que no bairro "há miséria encoberta; pessoas que têm vergonha de vir pedir ajuda". "Abro-lhes a outra porta [da sede da associação], do outro lado. São as pessoas envergonhadas, percebe?". Maria Cristina pára de comer e levanta a cabeça. Tem o sorriso tímido, encovado nas rugas, e gratidão no olhar. "Quando quero um pacotinho de manteiga, venho pedir-lhe e ela dá quando tem".
Entra um morador e entrega duas caixas de plástico lavadas. "A de cima foi com sopinha, e a de baixo levava arroz", aponta Esmeralda Mateus. "Por dia, estou a dar 21 sacos de comida para o bairro, o que representa mais de 60 pessoas", contabiliza a líder da Associação de Moradores, a mostrar os cabazes que ainda tem para entregar e que só consegue encher graças aos géneros doados através da organização Refood.
"Quanto mais faço, mais me apetece fazer, mas não tenho mais meios. E quem precisa de ajuda é quem trabalha, porque ganha pouco e, por trabalhar, não tem ajuda de ninguém", lamenta Esmeralda Mateus, contando que há dias em que sai da associação "às duas da manhã, quando há a última entrega de alimentos".
A morar na casa da avó e com quatro filhos - um de oito meses -, Jéssica Soares, de 25 anos, está desempregada há dois anos, mas o companheiro, que "trabalhava por conta própria, nas obras, vai começar a trabalhar para a Câmara, na recolha do lixo". Amadeu, que tem 27 anos, diz que "não há nada melhor do que um bairro, porque todos se conhecem". E "toda a gente se dá bem", completa Jéssica, que "não trocava o bairro por nada". "É o aconchego. Um dia que saia daqui, venho para cá todos os dias", jura ele, que há 11 anos se mudou do Bairro das Campinas para Aldoar.
À procura de trabalho
A açoriana Carina Arruda, de 27 anos, chegou a Aldoar há quatro anos para viver em casa de Rita Gomes, avó do companheiro, e está desempregada como Jéssica. "Só agora consegui vaga na creche para a minha filha", justifica, contando que tem "procurado trabalho".
Maria Jesus, que tem 62 anos e que se mudou, há uma década, de Francos para Aldoar, aplaude o espírito de entreajuda que há no bairro, e Maria Fernanda Borges, de 73 anos, agradece a boa vizinhança. "Se não me virem a descer as escadas, os vizinhos vão tocar à porta para saber se estou bem. É uma segunda família, e sou feliz aqui".
Dados
2,6 pessoas
É a dimensão média dos agregados familiares que residem no Bairro de Aldoar.
56 euros
É o valor da renda média dos cerca de 400 apartamentos que compõem o bairro.
Mais de mil moradores
Nos 396 fogos distribuídos pelos 16 blocos do Bairro de Aldoar moram 1029 pessoas, de acordo com dados da Domus Social, a empresa municipal que gere a habitação social da Câmara do Porto.
Famílias alargadas
Das 393 famílias residentes em Aldoar, 111 são alargadas/extensas. As monoparentais são 101, seguindo-se os núcleos de pessoas sozinhas, com 99 moradores. Há 59 casais com filhos e 18 sem filhos. Os agregados de avós com netos são apenas quatro.
Mais desempregados
Há 351 desempregados em Aldoar e 246 moradores são reformados. Os residentes que trabalham são 216, e contam-se 169 estudantes, indica a Domus Social.