As ruas da cidade ficaram repletas na noitada de São João. Tradições mantêm-se e jovens aprendem com os mais velhos. Os estrangeiros ficaram rendidos à festa, à qual Marcelo Rebelo de Sousa voltou pelo segundo ano seguido.
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"Antes pedia-se um desejo e tínhamos de ficar a olhar para o balão até ele desaparecer". As palavras são da gaiense Ana Rodrigues, enquanto assistia ao lançamento de balões na Ribeira do Porto e explicava a tradição à filha e à amiga. Em noite de São João, o céu voltou a encher-se de milhares de luzes, algumas acompanhadas por desejos.
"Ela vai ficar bem". A frase foi seguida de um abraço entre Hélio Pereira e Luz Maria, depois de terem lançado um balão que teimava em não levantar. Mas quando voou, o casal vindo da Andaluzia, em Espanha, não conseguiu esconder a emoção. Hélio é natural de Lamego e trouxe a mulher e os amigos espanhóis "para verem a melhor festa do mundo". No momento em que lançavam o balão, o som dos martelos e a gritaria pareciam ter desaparecido, envolvido na emoção do casal: "Desejamos que a nossa prima, que está internada, fique melhor e recupere rápido".
Na noite mais longa do ano, também há muitos que aprendem e descobrem com os mais velhos sobre as tradições e "como se vive o São João à moda do Porto".
"Vista privilegiada"
Ainda não eram 20 horas e Sara Monteiro e Samuel Ferreira, de Marco de Canaveses, já estavam junto ao rio Douro, na Ribeira, "para assistir ao fogo da ponte com uma vista privilegiada". Enquanto esperavam, tentaram lançar um balão. "Não vai subir", disse um homem que os observava, como a maioria das pessoas ali à volta. "Tem de estar junto ao chão para reter o ar", ouve-se alguém a explicar. As palavras transformam-se em ajuda e rapidamente o balão é agarrado por mais pessoas. Segundos depois, há aplausos e alarido com o voo triunfal.
"À segunda foi de vez!", exclamou Joana Oliveira para Carolina Maia. As amigas de Santa Maria da Feira precisaram de comprar um segundo balão para pedirem um desejo. "Não posso dizer o que é, caso contrário não se realiza", disse Joana, enquanto a amiga dava marteladas às pessoas que as ajudaram a acender a mecha.
A rapidez com que as pessoas desciam a Rua de Mouzinho da Silveira quase fazia acreditar que havia ali um escorrega. Mas entre marteladas e o fumo das sardinhas, havia quem "remasse no sentido contrário".
"Não podíamos faltar"
Pela primeira vez a viver a folia sãojoanina, Mina Nezamisavojbolaghi e Erfan Davodian subiam contra a corrente que inundava a Ribeira. "Temos os nossos amigos perto de São Bento e vamos tentar jantar em algum sítio", explicou Mina.
Apesar de viver há três anos em Portugal, o casal do Irão relata que a pandemia impediu-o de conhecer muitos dos costumes do nosso país. "Disseram-nos que não podíamos faltar a esta festa. Já estou a perceber porquê", disse a mulher.
Quem descia para a Ribeira era seduzido pelo cheiro do peixe na brasa. Dezenas de pessoas aguardavam na fila pelas sardinhas que saíam do grelhador de Joaquim Santos, na Rua de São João. Para acompanhar havia broa. "A tradição cresceu comigo e vai até morrer", disse o homem que, aos 61 anos, garante que nunca falhou um São João no Porto. Foi tudo vendido antes do fogo-de-artifício.
À meia-noite em ponto, começou o espetáculo de pirotecnia que levou milhares de pessoas às margens do Douro, no Porto e em Gaia.
Depois dos foguetes, a festa seguiu nos bailaricos espalhados pela cidade. Nas Fontainhas, poucos eram os que não dançavam ao som do conjunto Fusiforme. Maria Almeida e Américo Cardoso mostravam perícia.
O casal, que mora naquela zona, viveu a festa sempre ali. "Aqui é o verdadeiro bailarico. Dançar uns com os outros, com alegria e diversão", sublinhou Maria Almeida. Passados mais de 50 anos, o casal dá hoje o palco aos mais novos, mas mesmo assim não perde a oportunidade de um pé de dança.
"Nunca vai morrer"
Com 43 anos, Carlos Monteiro também nunca perdeu uma noitada de São João. Ainda assim, nota mudanças nos últimos trinta anos: "Sou da Lapa. Antes a festa era lá. Foi lá, por exemplo, que o Marante começou a atuar". As gerações mudam e os dias podem ser incertos, mas, segundo Jorge Cardosos, "uma coisa é certa": "Esta festa nunca vai morrer, mude as vezes que forem precisas".
Marcelo faz surpresa
O presidente da República pôde comprovar a vitalidade do São João. A presença de Marcelo Rebelo de Sousa foi quase uma surpresa de última hora, mas o chefe de Estado voltou ao Porto pelo segundo ano consecutivo. Às 21 horas, entrava na Casa do Roseiral, nos Jardins do Palácio de Cristal, onde jantou e assistou ao fogo, ao lado do presidente da Câmara Municipal, Rui Moreira.
A serenidade com que Marcelo chegou ao Roseiral esfumou-se na hora da saída, uma vez que muitas pessoas aproveitaram para tirar fotos com o presidente.
A festa adormeceu já pela manhã. Mas ontem voltou a acordar, em Sobrado, Valongo, onde milhares de pessoas se juntaram para as Bugiadas e Mouriscadas.