Projeto Gioconda, criado pela coordenadora da Unidade de Saúde Familiar Porta do Sol, em Leça do Balio, dá passo em frente na melhoria dos acessos para quem não vê.
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"Sou uma cega recente. É tudo uma adaptação e ainda tenho a cabeça formatada para a tinta". É essa a explicação que Bárbara nos dá para o facto de a leitura em braille não ser perfeita, quatro anos depois de a vida ter dado uma volta de 180 graus. Primeiro o esquerdo, depois o direito, os olhos deixaram de ver de forma irreversível, mas Bárbara, de 40 anos, recusou ser uma inválida. Mais do que isso, o seu caso foi a inspiração que levou uma médica a instalar sinalética em braille na Unidade de Saúde Familiar Porta do Sol, em Leça do Balio, Matosinhos.
É tão simples quanto isto: bastou colar umas tiras rugosas no chão e umas placas à porta dos gabinetes, num corredor que Bárbara Pereira em tempos percorreu a passo largo, a caminho do consultório 16. Foi nesse gabinete que nasceu o projeto Gioconda, assim denominado porque a enigmática mulher do quadro de Leonardo Da Vinci tem uns olhos que "intimidam e chegam a todo o lado". Palavras de Ana João Reis, a médica a quem se deve a iniciativa de adaptar as instalações a utentes cegos.
Para Ana João Reis, também coordenadora daquela unidade de saúde familiar, não se trata apenas de "capacitar as pessoas, dando-lhes autonomia". É também uma questão de "consciencialização global" para a igualdade de direitos "no acesso aos cuidados de saúde".
Tatear a fruta
"Não nos parece correto que um cego precise de tatear a fruta para perceber se é uma laranja ou uma banana, que tenha de perguntar o preço, que seja acompanhado por uma terceira pessoa a um restaurante e não haver menu em braille para decidir a refeição que vai escolher", indigna-se a médica.
A "grande luta" que travou até concluir o projeto Gioconda começou num dia em que esperava Bárbara para uma consulta e depois percebeu que a utente ia pelo corredor fora, já não a passo largo, mas a medo e amparada pelo marido. Tinha ficado cega.
Todo o edifício
A sinalética está espalhada por todo o edifício. Ao passar pelas marcas rugosas no chão - que facilmente deteta com a bengala ou o pé -, o utente sabe que na parede ao lado há uma placa em braille. Assim, não precisa de perguntar onde fica o gabinete a que se dirige. À entrada, há um guia de acolhimento com dupla impressão.
No dia em que o projeto foi divulgado à Imprensa, perguntámos a opinião a Carlos Coutinho, telefonista no Hospital de Pedro Hispano que perdeu a visão com apenas 12 anos, devido a um tiro de caçadeira acidental. Deu uma ajuda preciosa no processo de adaptação das instalações e considera o Gioconda uma iniciativa "bastante importante", não só pela autonomia que permite mas também por chamar a atenção das pessoas para o problema da acessibilidade. E até graceja, encontrando outra vantagem: "Bater à porta do médico certo".
À procura de emprego, Bárbara Pereira tem agora a vida menos complicada, de cada vez que for ao gabinete 16. Quanto a Ana João Reis, pretende replicar o projeto "noutras unidades de saúde, hospitais e sociedade civil".
Tome nota
Apresentação
O projeto Gioconda é apresentado esta sexta-feira, dia 3 de dezembro, data que, desde 1992, é assinalada pelas Nações Unidas como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
Dez pessoas
Esta unidade de saúde tem 17 mil utentes e só dez têm algum tipo de deficiência visual. Mas, para Ana João Reis, não é o número que importa mas sim a igualdade no "acesso aos cuidados primários".
2500 euros
A adaptação das instalações da Porta do Sol custou 2500 euros, assegurados pela Unidade Local de Saúde de Matosinhos.