Cansada de promessas, população desconfia da intenção do Governo de reabrir a linha do Douro até à fronteira.
Corpo do artigo
Batemos à porta de Horácio Sousa. O último chefe da estação ferroviária de Barca d'Alva responde que "é só um momento" e não tarda a sair. Disseram-nos que ele gosta pouco de falar sobre a antiga linha do Douro dali até ao Pocinho. Só que não. "O que quer saber?". Simples: "O Governo quer reabrir a linha até à fronteira com Espanha. O que acha?" Não pensa muito. "Nunca devia ter acabado. Agora não acredito".
Horácio vive a poucos passos do que resta do caminho de ferro, que mal se distingue entre a erva crescida. Lá ao fundo, como fantasmas, estão os antigos e tristes edifícios brancos onde o antigo ferroviário viveu quando mandava naquele centro de muita atividade, com comboios e vagões que vinham de Espanha e de França, sem contar com os que iam de cá para lá.
Do alto dos seus 87 anos, Horácio Sousa já perdeu a conta à quantidade de vezes que ouviu falar nas intenções de reabrir a via encerrada em 1988. E de tantas promessas frustradas, a que o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, fez em Freixo de Espada à Cinta, em outubro deste ano, é daquelas que "só vendo".
Espera em vão
Quando a linha fechou foi prestar serviço noutras estações da Linha do Douro e ainda chegou a inspetor. Com a reforma, regressou aonde foi criado e não mais dali abalou, alimentando o sonho de um dia voltar a ouvir o comboio a apitar até à confluência do Águeda com o Douro, em terras de Figueira de Castelo Rodrigo. Esperou, em vão, e hoje já não acredita que a vida lhe alcance a eventual data de inauguração.
Não é crível que tenha sido Horácio a incutir a opinião generalizada na população de Barca d"Alva de que o comboio já não volta lá. Mas, na verdade, todos torcem o nariz. Luís Clementino, residente em Figueira de Castelo Rodrigo, guarda imensas memórias das dezenas de viagens de e para o Porto noutros tempos. "Não sei se será utopia, mas gostava mesmo que isto voltasse a funcionar", refere.
27 quilómetros
Lá no fundo, não haverá entre os quase 90 moradores naquela localidade quem não queira o comboio de regresso aos 27 quilómetros de linha até ao Pocinho (Vila Nova de Foz Côa), onde o comboio que chega do Porto inverte a marcha. "Seria bom para a localidade e para os negócios que há cá. E também para ganhar população. No tempo em que eu era aqui chefe viviam cá cerca de 600 pessoas!", torna Horácio.
Para já, segundo o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, o objetivo do Governo é "lançar o concurso público para o estudo prévio e para o projeto [de reativação] no primeiro trimestre de 2023".
Comerciantes de Pocinho nada entusiasmados
Contrariamente ao que poderia pensar-se, entre os comerciantes do Pocinho o entusiasmo com a possível reabertura da Linha do Douro até Barca d'Alva é pouco mais que nenhum. Sob anonimato, "porque a gente tem uma porta aberta, porque todos os clientes são bem-vindos e porque não vale a pena entrar em polémicas", confessam que o negócio daquela aldeia de Foz Côa pode ficar a perder. "Acha que depois de reabrir a linha até à Barca, alguém vai querer parar no Pocinho para almoçar, por exemplo?" Nem a possibilidade de o número de turistas poder aumentar exponencialmente é, por enquanto, animadora.