Um bebé nasceu no chão da receção da urgência do Hospital Santos Silva, em Gaia, ao final da tarde de sábado, após a segunda deslocação da mãe à unidade. A parturiente, que se queixava de contrações e dores, informou os médicos que "faz dilatações rápidas", mas foi enviada para casa. O pai da criança apresentou queixa. O hospital garante ter cumprido o protocolo e fala numa "alteração de quadro súbita".
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Era o terceiro filho de Fernanda Fernandes, de 40 anos, e a experiência das gravidezes anteriores dizia-lhe que "faz uma dilatação rápida", como relata, ao JN, o marido, Frederico Fernandes, que viu o filho nascer "no chão da receção da urgência" e "à frente dos utentes, que ficaram indignados".
O casal, que reside em Coimbrões, Gaia, a cerca de 10 minutos do Hospital Santos Silva, dirigiu-se a esta unidade cerca das 17 horas, com Fernanda a "sentir contrações de sete em sete minutos". Feita a admissão na urgência, a grávida foi submetida a exames e "estava com 2,5 centímetros de dilatação", o que os médicos indicaram ser "normal para alguém que está no terceiro filho", conta o marido.
Frederico Fernandes recorda que a mulher relatou aos médicos que "no último bebé dilatou oito centímetros em três horas, o que foi muito rápido. Mas ninguém acreditou, e mandaram-na ir para casa tomar um banho quente". Entretanto, as contrações tornaram-se mais longas e menos espaçadas e as dores intensificaram-se, o que levou o casal novamente ao hospital, já ao final da tarde.
Foi aí que tudo se precipitou e "os problemas começaram". "Na rua do hospital, a Fernanda já estava a urrar de dor. Entramos na urgência, pedi para trazerem uma maca e disse: a minha esposa vai parir. O segurança tirou uma senha e a administrativa pediu o número de utente, enquanto ela gritava de dor", descreve o marido, contando que a mulher "já não conseguia sentar-se na cadeira de rodas e teve de ficar de cócoras". A resposta que obteve dos funcionários foi a de que "esse é o protocolo".
"Comecei a gritar por ajuda, e disse-lhes que ela ia parir. A minha esposa começou a gritar: está coroando [a cabeça do bebé começa a aparecer]; o bebé está a nascer. Quando olhei para baixo, o Levi tinha nascido: caiu no chão de cabeça, na frente da receção da urgência. Graças a Deus, a minha esposa estava de cócoras e só caiu a uma altura de 15 ou 20 centímetros, senão, o pior podia ter acontecido e a criança poderia ter tido algum tipo de hemorragia".
Por isso, e "para que isto não aconteça novamente", Frederico Fernandes formalizou uma queixa por "grave negligência no atendimento de urgência obstétrica" a várias entidades, incluindo à direção do hospital e à Ordem dos Médicos.
Hospital aponta "alteração de quadro súbita"
Questionada pelo JN, a Unidade de Saúde Local de Saúde Gaia/Espinho (ULSGE), na qual se integra o Hospital Santos Silva, esclarece que a utente foi "admitida pelas 16.30 horas, e de imediato realizou-se um CTG (cardiotografia, exame que monitoriza a frequência cardíaca fetal e as contrações uterinas da mãe), onde se verificou que a utente não se encontrava em fase ativa de trabalho de parto, não sendo previsível, mesmo em situações de grávidas que já tiveram dois partos (multípara), uma alteração do quadro tão súbita".
"Considerando a curta distância entre a residência e o hospital (menos de 10 minutos), e de acordo com as recomendações da especialidade de Obstetrícia, aplicámos o procedimento habitual: indicação de regresso a casa, com retorno à urgência em caso de alterações no quadro clínico", refere ainda a administração da ULSGE, indicando que "às 19.59 horas, quando a utente regressa, e durante admissão - procedimento administrativo cuja duração é de três minutos -, deu-se o parto, sendo que a grávida foi pronta e instantaneamente assistida pela equipa de emergência (a sala de emergência é contígua à área de receção e é constituída por médico e enfermeiros)".
"A minha esposa tem 40 anos e tinha plena consciência do corpo dela. Sabe que dilata rápido, mas desvalorizaram isso completamente. Até entendo que existam grávidas de primeira viagem que exageram nos sintomas, mas a minha esposa já é experiente, e descredibilizaram o que ela disse e despacharam-na para casa. E o que ela falou que ia acontecer aconteceu", indigna-se o marido, que considera ter havido "uma negligência completa e um tratamento completamente desumano".
"Não trouxeram uma maca para a Fernanda poder ter o meu filho de forma digna", queixa-se Frederico, que quer ver apuradas responsabilidades e espera que "sejam tomadas providências para que este tipo de situação não ocorra com mais ninguém".
De acordo com a administração da ULSGE, "mãe e recém-nascido já tiveram alta", mas Frederico Fernandes garante, ao JN, que "o bebé ainda está internado no hospital, em observação", sendo que apenas a "esposa teve alta".