No Hospital de São João, no Porto, já houve mais de 200 nascimentos prematuros este ano. A história de cinco "guerreiros" que acabaram a gestação numa incubadora e conseguiram vencer a "batalha da prematuridade".
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Lidar com um nascimento prematuro é a realidade de diversas mães que, no momento da gravidez, preferem não falar no assunto, confirmando o que a maioria opta por pensar: "É algo que nunca nos vai acontecer a nós".
Quem o disse foi Antonieta Couto que, há cinco anos, foi surpreendida pelos desafios da prematuridade quando foi mãe de Tiago, que nasceu com 33 semanas. "É algo que não esquecemos, mas que nos faz querer ajudar outros casos idênticos", disse Antonieta, que decidiu juntar-se à XXS-Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro.
Este ano, dos partos realizados no Hospital São João, no Porto, 12% foram prematuros. O ano ainda não terminou, mas a percentagem já superou os 10% registados em 2021.
O JN esteve no hospital e conheceu a história de quatro mães que foram surpreendidas pela chegada dos seus filhos mais cedo do que o previsto.
1 - Rafael seabra
Entre o azar, veio a sorte
Há cinco anos, Sandra Sousa foi mãe de Rafael Seabra, que nasceu com 700 gramas, às 24 semanas. No sexto mês de gestação, os médicos informaram Sandra que teria de ficar internada até ao parto, porque não podia fazer esforços e o risco era elevado. "Não conseguia fazer nada. Nem ir à casa de banho, porque até andar em pé me custava", expôs Sandra que, na altura, "não conseguia imaginar-se a permanecer deitada durante três meses [o tempo que faltava para terminar a gestação]: "Não me caiu nada bem, foi doloroso e chorei imenso. Cheguei a dizer a um dos médicos que o meu filho tinha que nascer mais cedo", acrescentou.
Mas "entre o azar, veio a sorte", refere Sandra, que entrou em trabalho de parto, uma semana depois de ser internada, "depois de notarem, numa consulta de ginecologia, que Rafael precisava de nascer".
Dos casos que já passaram pela Unidade de Neonatologia do Hospital de São João, Rafael foi um dos que nasceram com menos tempo.
"Foi às 24 semanas, no dia 2 de novembro", disse Sandra enquanto olhava para a tatuagem que tem no antebraço que, segundo a mesma, "é uma marca para relembrar os 86 dias em que acompanhou o filho no hospital".
Até agora, Rafael ainda não tem ideia que nasceu prematuro, mas "um dia saberá qual foi a sua primeira vitória", garantiu a progenitora.
Quando vê uma mulher de bata branca, chama-lhe "titia", o que comprova "o afeto que as crianças ganham pela instituição que delas cuida nos primeiros dias", diz Sandra, que também foi "recebida de braços abertos" pela Fundação Infantil Ronald McDonald, que lhe deu estadia durante o internamento do filho, uma vez que reside longe, em Paços de Ferreira.
2 - Tiago simões
Só pude pegar nele ao fim de dois meses
Para Antonieta Couto, viver os desafios de ter um recém-nascido antes do tempo foram ainda maiores, quando há cinco anos nasceu Tiago, com uma cardiopatia associada.
Através de uma ecografia, Antonieta soube que o filho tinha uma malformação congénita no coração, e declarou não estar preparada para a "luta da prematuridade", quando o bebé nasceu com 1,830 quilogramas, às 33 semanas.
Residente em Famalicão, a mãe partilhou com o JN que viveu "uma luta diária durante os 79 dias" em que esteve na Neonatologia do Hospital de São João. "Só pude pegar no Tiago ao fim de dois meses, porque ele estava ligado a muitos fios e tubos. Isso foi das partes que mais me custaram", contou a mãe, emocionada.
Tiago foi operado duas vezes logo após o parto. Na primeira operação, que durou sete horas, os médicos "tiveram que lhe fazer um rasgo para chegar ao coração e corrigir a cardiopatia de que sofria", explicou Antonieta.
Atualmente, Tiago leva uma vida perfeitamente normal e saudável. "Gosto muito de cavalos e a seguir vou para as aulas de equitação", disse o menino ao JN, enquanto pintava.
Ao fim de cinco anos, Antonieta confessa que "vive com uma espada sobre a cabeça, porque não há certeza de que ele não piora amanhã", e que, há medida que o filho cresce, chegam as perguntas sobre a cicatriz do seu peito. "Quando falar da prematuridade e desta história, vou apenas referir as coisas boas, porque as más ficaram para trás".
3- Leonor carvalho
Foi um passo para frente e dois para trás
Bernardete Moreira foi mãe pela primeira vez há 12 anos, e descobriu que em 2022 voltaria a receber outra criança. Leonor acabou por nascer em junho, mas nada previa a sua chegada antecipada, durante o seu sexto mês de gestação. "Foi um passo para a frente, e dois para trás", descreveu a progenitora, acrescentando que "não há nada que prepare uma mãe para tudo o que este processo envolve".
"Entrei em trabalho de parto três dias antes e depois foi feita a cesariana", explicou a mãe de Leonor, que só viu a filha na tarde do dia seguinte.
"Ao olharmos para o nosso bebé após o nascimento, vemos a força de um ser tão pequeno, sabendo que ali está uma guerreira. Acho que todas as mães acabam por senti-lo", declarou Bernardete.
Ainda assim, reconhece: "É uma fase que temos de arranjar forças em qualquer coisa e que muda por completo a nossa vida".
O bebé ganhar peso é uma das preocupações que acompanham o pensamento das mães que têm um parto prematuro. Mas engane-se quem acha que isso é a maior ou única preocupação das mães.
"O processo é muito custoso", refere Bernardete. Desde ver o bebé na incubadora com fios e tubos, a perceber que as mãos das crianças estão todas picadas de lhes espetarem as agulhas. "A Leonor teve duas transfusões de sangue, e é algo que dói imenso observar, enquanto mães", acrescentou Bernardete.
4 - bruna e adriana
Foi um momento agridoce
Em 2017, Carla Costa soube cedo que ia "lidar com prematuridade a dobrar", quando nas primeiras consultas de ginecologia percebeu que ia ser mãe de duas gémeas verdadeiras: Adriana e Bruna.
Com o nascimento das gémeas, Carla conta ter vivido "um momento agridoce": "Elas nasceram e não há momento mais feliz. Mas depois sabemos que há ainda uma luta a seguir", contou.
A "luta" durou um mês para Bruna, mas Adriana teve de ficar mais duas semanas. "Chegou a certa altura que tive a sensação que estava a viver em casa e no hospital", explicou a mãe das gémeas.
"Os cuidadores também ajudam a atenuar a experiência", considera Carla, que conheceu Sandra e Antonieta no hospital, quando, ao mesmo tempo, foram mães de prematuros.
"Para todos os que, em breve, vivam a luta da prematuridade", Carla avisa: "Precisam de muita força, mas acaba por passar".
SOLIDARIEDADE
Mães querem ajudar outros bebés XXS
"Depois da experiência, são vários os pais que querem ajudar outros a lidar com a prematuridade", afirma Antonieta Couto, que a partir destes mês vai participar em ações de voluntariado sobre o tema no Hospital de São João. Ao JN, a coordenadora da XXS, Teresa Madeira, adiantou que a associação criada em 2008 destina-se a pais de bebés prematuros, tem o projeto de voluntariado "Share for Care" presente em diversas unidades de neonatologia do país, incluindo o Hospital São João.
SAIBA MAIS
Mais prematuros
No Hospital São João, houve em 2021 um total de 1953 partos, dos quais 199 foram prematuros. Este ano, já são 217 prematuros, num total de 1834 partos.
Taxa de mortalidade
Em Portugal, a taxa de mortalidade neonatal é de 1,8/1000. O valor, de acordo com a Sociedade Portuguesa de Pediatria, coloca o nosso país em 9.º lugar, entre 162 países.
Contacto pele a pele
Este ano, a Organização Mundial da Saúde recomendou que os bebés prematuros devem estar em contacto pele a pele após o parto, evitando a sua ida imediata para a incubadora.