Subida dos combustíveis deixa corporações em agonia. S. Mamede de Infesta, em Matosinhos, parou com o transporte de doentes não urgentes. Presidente da Liga dos Bombeiros Profissionais queixa-se de falta de apoios por parte do Governo.
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O aumento do salário mínimo nacional e, mais recentemente, a subida dos combustíveis têm posto várias corporações de bombeiros à beira do abismo, a fazer contas à vida. Por isso mesmo, há algumas que arranjam formas adicionais de arrecadar mais umas verbas. O que nem sempre resulta.
A de S. Mamede Infesta, Matosinhos, por exemplo, deixou transportar doentes não urgentes no início do mês. Com um prejuízo mensal de 11 mil euros, a presidente, Leonida Morais, lamenta que o Estado "não atualize o subsídio do gasóleo para os transportes não urgentes há 11 anos".
O presidente dos Bombeiros de Valadares, Gaia, associação que goza de saúde financeira, refere que "o Estado tem de criar condições de financiamento a associações humanitárias". Caso contrário, "ou ficam endividadas ou recusar serviços".
Também António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), lamenta que o Governo "ainda não tenha encontrado uma solução" para minimizar "o impacto brutal" do aumento do preço dos combustíveis nas corporações".
"A Liga já propôs ao Governo três medidas diferentes: ser atribuído aos bombeiros o gasóleo profissional, ser-lhes abrangido o desconto do IVA ou um apoio excecional como os transportes públicos", diz.
Sem qualquer resposta, António Nunes é perentório: "Ao não fazer nada, o Governo está a comprar um problema, porque quando os bombeiros deixarem de fazer os serviços, não há quem os faça". Por agora, a LBP conseguiu este mês que a Galp conceda um desconto de 0,10 euros/litro aos bombeiros.
Gerir a corporação como uma empresa
Quando António Silva chegou há nove anos à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Valadares, em Gaia, "até o posto de combustível", gerido pela corporação há mais de 20, "dava "prejuízo", contou o presidente.
António, gerente de uma empresa, logo percebeu que havia de pôr "a rentabilizar o posto e potenciar as instalações da corporação", na altura "muito fechada em si mesma".
Nove anos volvidos, a associação humanitária dá sinais de "boa saúde financeira", com um lucro anual na ordem dos 88 mil euros. Mas António tem consciência de que deu mais trabalho do que esperava: "Cheguei a não ter dinheiro para pagar à Segurança Social aos funcionários".
A reviravolta deu-se com "a criação de várias sinergias", tendo o presidente contado com a ajuda de "empresários solidários".
A isso, o presidente dos Bombeiros de Valadares juntou o engenho de quem passou a gerir a associação "como se de uma empresa se tratasse". "Se assim não fosse, ou esta casa dava prejuízo ou não fazíamos metade do socorro que fazemos", garantiu.
"Obra megalómana"
Hoje em dia, além de o salão nobre da corporação estar transformado em sala de audiências da comarca do Porto, a associação continua a gerir o posto de combustível, um ginásio, "aberto 24 horas, sete dias por semana", várias salas para formações e uma clínica.
Já num parque de retaguarda, onde estão as viaturas não urgentes, há lugares cobertos arrendados aos moradores da rua. "Tudo isto com a condição de serem sócios dos bombeiros", vincou António Silva.
O presidente tem também já prevista a construção da "obra megalómana", de cinco milhões de euros, que vai ser um edifício de quatro pisos, "com lar para idosos, clínica de fisioterapia, piscina medicinal, e até um circuito de manutenção com minigolfe".
A associação tem ainda a decorrer duas obras para casas com rendas sociais para bombeiros da corporação. Valadares é também a única corporação que presta oficialmente serviços de nadadores-salvadores.
Prejuízo mensal de 11 mil euros
Quem repara numa academia de boxe no andar de cima do quartel dos Bombeiros de S. Mamede de Infesta, Matosinhos, imagina que a renda mensal deve ser uma das mais-valias da associação humanitária. Puro engano.
Leonida Morais preside a instituição há 18 anos e diz que se trata "de uma cedência do espaço a um sócio [muito antes da sua chegada à corporação], com uma renda simbólica, onde nem luz paga".
António Mesquita, antigo campeão da Europa de kickboxing (1994) e que dá nome à academia, contou que o espaço foi-lhe cedido "há 32 anos", admitindo que além das "boas instalações" ainda tem "a ajuda de não pagar a luz".
Ainda assim, o ex-atleta queixa-se que "nem 100 alunos" tem e que "o negócio está fraco".
Numa corporação com 41 funcionários, Leonida reconhece que para "sobreviverem" têm "de fazer contas a tudo", culpando "o aumento dos combustíveis e do salário mínimo nacional" como fatores que "vieram agravar, ainda mais, o dia a dia das corporações".
O comandante, Gilberto Gonçalves, reforça que "os bombeiros estão a caminhar para o abismo".
Face ao prejuízo mensal de 11 mil euros, e ao facto de o Estado não atualizar subsídios, a corporação teve de tomar "a decisão de deixar de transportar doentes não urgentes no início do mês", assumiu Gilberto Gonçalves, ciente que "o doente é que é prejudicado".
"O associativismo já teve melhores dias", aponta o comandante, dando conta do "número reduzido de sócios: 41 morreram, 21 desistiram e 29 foram cancelados por falta de pagamento de cotas".
Vão valendo outras atividades que ajudam a pagar contas, como "prevenções em jogos de futebol, transportes internacionais, ações de formação e cedência de salas para formações externas".
A reter
0,51 euros - valor do subsídio de combustível/litro
Pelo transporte de doentes não urgentes, os bombeiros recebem de ajuda 51 cêntimos por cada litro de combustível gasto. As corporações queixam-se de que esta tabela já não é atualizada há 11 anos.
Seis mil euros em combustível
Em média, a corporação de S. Mamede Infesta, em Matosinhos, gasta seis mil euros por mês em combustível. Em janeiro, o subsídio que recebeu do Estado foi de 141,25 euros.