Câmara de Matosinhos vai isentar de taxas empresa que colocou em tribunal por atraso de obra
Unidade de centro de cuidados continuados dispensada de pagar 842 mil euros por ter interesse municipal. Oposição contesta.
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A Câmara de Matosinhos vai isentar de taxas de urbanização, no valor de 842 mil euros, uma empresa que colocou em tribunal por incumprimento contratual, uma vez que já deveria ter a funcionar um centro de cuidados continuados em S. Mamede de Infesta. Mas a obra, que vai permitir concluir a empreitada suspensa há 16 anos, ainda nem sequer arrancou.
A construção de um centro de cuidados continuados na Rua Central do Seixo, em S. Mamede de Infesta, remonta a 2008. Deveria ter sido edificado pela cooperativa Realidade Social, que beneficiou de uma cedência de terrenos e de financiamento camarário no valor de quatro milhões. Contudo, a empreitada nunca foi concluída e a cooperativa foi processada judicialmente pelo empreiteiro. A câmara acabou por assumir a dívida da cooperativa no valor de 2,2 milhões de euros, assim como o débito desta ao Fisco de 676 mil euros.
Cinco anos depois, a conclusão da empreitada foi adjudicada à LarDouro. Mas só a 5 de maio passado é que a empresa abriu o concurso para finalizar o equipamento, numa altura em que o centro de cuidados continuados já deveria estar a funcionar. Considerando que a LarDouro estava em incumprimento contratual, o Município de Matosinhos deu entrada com um processo no Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim, exigindo da empresa o pagamento de 178 mil euros (acrescidos de juros), além de uma sanção de mil euros por cada dia de atraso na abertura da unidade.
Ontem, o Executivo, liderado por Luísa Salgueiro, aprovou sozinho uma proposta que visa isentar a LarDouro do pagamento de 842 mil euros de taxas de construção, compensando uma empresa que está em incumprimento e contrariando um parecer dos serviços jurídicos da câmara. Nesse documento, alertam que, apesar de se estar “perante uma operação de relevante interesse” para o concelho, a isenção de taxas “atentaria contra os princípios de prossecução do interesse público, de igualdade e transparência e de concorrência”.
Assuntos distintos
“A câmara está a beneficiar uma entidade que é devedora de milhares de euros ao município”, enfatiza o vereador do PSD, Bruno Pereira, estranhando a forma como a autarquia tem vindo a lidar com todo o processo. “No mínimo, considero estranho, tendo em conta o disposto no parecer dos serviços jurídicos”, concorda o vereador da CDU, José Pedro Rodrigues, exigindo explicações sobre “este perdão milionário”. O movimento António Parada Sim acompanhou PSD e CDU na oposição ao perdão de taxas. “É uma tentativa de branqueamento, de se livrar a LarDouro do pagamento da multa”, vinca Sérgio Meira.
A presidente do município argumenta que estão a ser misturados dois assuntos distintos. “Coloquei a empresa em tribunal, porque tinha um prazo para ter o equipamento a funcionar. Estava previsto no contrato. Coisa diferente é a construção. O regulamento prevê que possa ser isentada do pagamento de taxas por ser um equipamento de relevante interesse municipal”, explica Luísa Salgueiro, revelando que pediu um parecer à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, que foi favorável ao perdão de taxas. “Todas as unidades semelhantes em concelhos vizinhos estão isentas. Matosinhos não tem uma única cama de cuidados continuados. É um projeto que ficou em primeiro lugar na candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência. Não é uma isenção feita especificamente para este equipamento. Todos os outros que possam surgir no concelho também serão isentos de taxas”.
CCDR-Norte
Pormenores
Autarca na direção
A presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, integrou a direção da cooperativa Realidade Social (de 2010 a 2015), que foi dissolvida e liquidada em 2015.
Concurso público
Em 2020, a Câmara de Matosinhos lançou um concurso público para a conclusão do centro de cuidados, atribuindo um direito de superfície pelo prazo de 50 anos que previa o pagamento de uma renda anual de 76 mil euros.
Em três anos
A unidade, com 166 camas (37 relativas a cuidados de média duração, 129 relativas a longa duração e manutenção), deveria ter sido construída em 36 meses.