A presidente da Câmara de Miranda do Douro, Helena Barril, considera que a Autoridade Tributária foi conivente com uma "borla fiscal" à EDP e garante que não vai desisitir da cobrança do IMI nas barragens. Ex-goverante concorda que estes empreendimentos devem pagar impostos aos territórios.
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O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Mendonça Mendes considera que investimentos fotovoltaicos, eólicos e hídricos devem pagar um imposto a favor dos territórios onde são instalados. Uma posição transmitida esta terça-feira durante uma audiência na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública da Assembleia da República, que vai num sentido favorável às pretensões da autarquia de Miranda do Corvo, que acusa a Autoridade Tributária (AT) de ter sido conivente num “borla fiscal” à EDP.
“Não faz sentido que aproveitamentos hidroelétricos, fotovoltaicos, eólicos quer todas as novas formas de ocupação do território associadas às energias renováveis, não paguem um imposto que reverta para as autarquias”, disse António Mendonça Mendes. “A ocupação do território é efetiva, por isso faria sentido, à semelhança de outros prédios, que também pudessem pagar imposto”, acrescentou o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XXI, XXII e XXIII Governos Constitucionais, de 2017 a dezembro de 2022, pelo PS.
Uma argumentação que vai ao encontro do que defende a autarquia de Miranda do Douro, onde estavam duas das seis barragens da EDP vendidas à Engie em 2020, num negócio que não pagou Imposto de Selo. “Temos de fazer justiça para este território, Estas unidades extraem muita riqueza ali e quase nada fica”, disse Helena Barril, que partilhou com os deputados o facto de ser funcionária do Fisco. "Ao longo dos anos no Serviço de Finanças de Miranda do Douro, sempre perguntei: Porque é que a EDP não paga o IMI das barragens de Picote e Miranda? Bati a muitas portas dentro da AT. Não encontrei nenhuma aberta, nem vi vontade de mudar. Por isso, decidi candidatar-me a presidente da câmara com o compromisso de tudo fazer para que fosse pago o IMI das barragens", vincou a autarca que tomou posse em outubro de 2021.
Em 2022, foi requerido à diretora-geral da AT a inscrição das barragens na matriz, para pagar imposto, como qualquer outro prédio, “A resposta foi negativa, o que não me espantou, conhecendo como conheço o poder da EDP”, disse Helena Barril. Em 2023, uma exposição ao então secretário de Estado Nuno Félix encontrou acolhimento. O ex-governante ordenou a inscrição na matriz e a avaliação para efeitos de cobrança. A então diretora-geral não cumpriu o despacho e suscitou dúvidas por escrito.
"Mais espantoso, os argumentos invocados pela AT foram os utilizados pela EDP em 2016, quando conseguiu reverter a primeira tentativa de cobrança do IMI das barragens", disse Helena Barril. “É tão grave a borla fiscal da venda das barragens como o não pagamento dos devidos impostos como o IMI, com a agravante, neste caso, a EDP contou com a conivência da Autoridade Tributária", acrescentou a autarca.
Fisco mudou de rumo em 2017 após reunir com EDP
A questão saltou para a agenda mediática na sequência da venda pela EDP das barragens de Miranda do Douro, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro e Tua, por 2,2 mil milhões de euros, a um consórcio liderado pela Engie, em 2020. Desde 2015 que se debatia a questão do pagamento de impostos nas barragens, entre quem defendia que estando em domínio público seria isenta de pagamento, enquanto outros argumentavam que sendo concessionadas a privados tinha de pagar. Em 2016, o Fisco tentou cobrar IMI à EDP e mudaria para rumo inverso no ano a seguir.
Questionado pelos deputados sobre a coincidência da mudança do Fisco ter acontecido em maio de 2017, dois meses depois da última de duas reuniões da então diretora-geral Helena Borges com responsáveis da EDP (em março), Mendonça Mendes defendeu a idoneidade dos funcionários e dirigentes da AT e explicou que “é normal haver divergências de opinião entre o setor do imposto, o contencioso e o gabinete de estudos fiscais”. Disse o anterior secretário de Estado que, então, o entendimento do contencioso foi aquele que vingou, com a subdiretora da área dos impostos sobre o património, Lurdes Silva Ferreira, a ordenar aos serviços a eliminação da matriz predail dos aproveitamentos hidroelétricos com utilidade pública declarada, isentando as concessionárias de pagar IMI. A grande beneficiária é a DEP, com mais de 50 empreendimentos do género em Portugal.
Mariana Mortágua, que recentemente foi agraciada com a chave da cidade de Miranda do Douro, contrariou a tese de que as barragens são de domínio público e não pagam IMI ou IMT. “Não pode ser verdadeiro, porque senão não estavam no balanço da EDP e não poderiam se vendidas”, disse a deputada do Bloco de Esquerda. “Curioso que o argumento de que não tinha de pagar IMI porque estava em terrenos de domínio público não serviu para impedir a venda”, reforçou o deputado do PSD Paulo Jorge Oliveira.
"Quando for conhecido o resultado do inquérito crime que decorre sobre a venda das barragens, que se constitua uma comissão parlamentar, pois os portugueses têm o direito de escrutinar a responsabilidade política dos que intervieram no negócio da venda das barragens. Há nomes e há rostos, temos o direito de conhecer quem, por detrás da cortina, quis beneficiar a EDP, com prejuízo do interesse público", disse Helena Barril. ”Tendo em conta como funciona a Justiça em Portugal, vamos esperar sentados”, ironizou a autarca, sem desarmar. “Estamos firmemente convencidos de que esta questão vai ter um fim, que é o pagamento do IMI das barragens, que vai fazer muita diferença no território. E o povo de Miranda não vai desistir”, argumentou.