Tribunal considera ilegal o licenciamento do edifício construído há 24 anos em reserva ecológica. Autarquia diz que não pode fazer mais nada. Moradores surpreendidos.
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A Câmara Municipal de Mirandela aprovou a demolição de um edifício com 23 apartamentos e duas lojas por considerar inviável a sua legalização.
Foi a resposta ao que foi solicitada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP), que condenou o Município a proceder à avaliação da viabilidade ou inviabilidade daquele prédio (Quinta do Canal), construído em 1998. A legalização do prédio foi considerada nula por ter sido construído numa zona de reserva ecológica.
"Como o tribunal pergunta ao Município se é possível, à data de hoje, licenciar o prédio, o que nós temos de dizer é que não é possível o seu licenciamento e por isso ordena a sua demolição", refere o vice-presidente da Câmara, Orlando Pires. "Em 2015, houve uma oportunidade do Município para ter alterado o Plano Diretor Municipal (PDM) e criar condições para que o prédio fosse licenciado. Não aconteceu e neste momento o PDM está em revisão, sendo expectável que fique concluído no final do ano, mas à data de hoje não é possível licenciar o prédio", acrescenta Orlando Pires.
Esta deliberação teve como base pareceres técnicos referindo que a área onde se encontra implantado o prédio deixou de integrar a zona reservada da albufeira, desde 2015, mas subsiste a impossibilidade de poder licenciar o prédio porque não cumpre o número de pisos possíveis, de acordo com o normativo legal vigente, já que o máximo permitido é de quatro pisos e o edifício tem seis.
"Circo impensável"
As famílias que habitam no prédio foram apanhadas de surpresa. "Pensávamos que já estava tudo resolvido", conta Sónia Mendonça, que adquiriu o apartamento há 20 anos. "Estamos preocupados, é o meu lar, tenho aqui a minha vida, tenho aqui os meus filhos, já investimos muito dinheiro em obras na casa e agora surge isto. Fizemos a escritura, contraímos o empréstimo no banco, pagamos o IMI, temos a licença de habitabilidade, não consigo entender isto", adianta.
Também José Dias não se conforma. "Estou a saber agora, é impensável", diz. Ainda assim acredita que "alguém terá uma explicação cabal para todo este "circo"".
Providência cautelar à vista
O advogado de alguns moradores também estranha a decisão. "Esta deliberação é uma surpresa absoluta à luz da legislação vigente, dado que é altamente desproporcional. A Câmara opta por não pagar a indemnização ao queixoso, preferindo demolir um prédio onde habitam 23 famílias", diz Filipe Miranda.
O representante legal vai reunir-se com os moradores nos próximos dias, mas segundo apurou o JN, tudo aponta para que as famílias avancem com uma providência cautelar para travar a demolição do prédio.
Sanção
Presidente pagaria 70 euros/dia se não cumprisse
Recentemente, o tribunal concedeu um prazo de 10 dias úteis para o executivo tomar uma decisão definitiva sobre este assunto, sob pena de aplicar uma sanção pecuniária compulsória à presidente da Câmara, Júlia Rodrigues (PS), no valor diário de 10% do salário mínimo social, que representaria cerca de 70 euros por dia. Perante isto, os quatro vereadores socialistas do executivo (os três vereadores da oposição do PSD decidiram abandonar a reunião de Câmara) votaram a favor da deliberação de inviabilidade de legalização do edifício, ordenando a sua demolição.
Uma história antiga
Agosto de 1999 - Câmara de Mirandela aprovou os projetos de infraestruturas e projeto de construção do edifício Quinta do Canal e cedeu o respetivo alvará de licenciamento. No ano seguinte, o proprietário de uma habitação que ficou "escondida" após a construção do prédio apresentou queixa contra a Câmara.
Maio de 2011 - Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto declara nula a deliberação de licenciamento concedido pelo Município. Decisão confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo em dezembro de 2013, ordenando a Autarquia a proceder à demolição do prédio no prazo de três meses. Autarquia apresenta contestação.
Novembro de 2017 - Câmara de Mirandela comunica ao tribunal que o PDM e a Carta REN concelhia foram alvo de revisão que entrou em vigor em 2015, considerando que a área onde se encontra implantado o edifício estava totalmente excluída da zona reservada da albufeira, sendo por isso suscetível de legalização.
Outubro de 2018 - Tribunal condena o Município a, no prazo de 180 dias úteis, proceder à avaliação da viabilidade ou inviabilidade da construção do prédio ser objeto de legalização, tendo em conta o novo regulamento do PDM. Devido à morte do queixoso, o prazo só começou a contar desde junho de 2020.
Abril de 2022 - Tribunal não atende ao pedido de prorrogação do prazo para licenciar o prédio e determina que tem de responder se existe ou não a possibilidade de legalizar o edifício, e, em caso negativo, "daí extrair as respetivas consequências". Executivo responde que não é possível legalizar, com o atual PDM, e ordena a demolição.