Município usa associação de desenvolvimento como "testa de ferro" para admitir 53 pessoas, que foram integradas nos quadros. Três dos contratados são familiares da vice-presidente da Câmara. Resultado dos concursos coincide com data das entrevistas.
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A Câmara Municipal de Pedrógão Grande (CMPG) usou a lei de regularização de precários - feita para integrar nos quadros trabalhadores com vínculo ao município - para meter na autarquia 53 pessoas que trabalhavam na Pinhais do Zêzere, uma associação privada sem fins lucrativos apoiada pela Câmara, liderada pelo presidente da autarquia (Valdemar Alves) e que presta serviços ao município. Entre os contratados estão três familiares da vice-presidente da Câmara (ver texto ao lado). Para além do número elevado (para uma edilidade com cerca de 80 funcionários), é a forma como foram contratados que põe em causa a sua legalidade.
Um jurista especialista em administração pública assegura ao JN que este "expediente" viola a lei, pelo que os trabalhadores em causa não reuniam condições para integrarem os quadros da autarquia, visto que o contrato de trabalho de trabalho que tinham era com a Pinhais do Zêzere (associação promotora do desenvolvimento socioeconómico da região), não havendo alusão no vínculo à Câmara, confirmou o JN, que teve acesso a um dos contratos.
"Todas as pessoas trabalhavam para nós e sob nossas ordens", justifica a vice-presidente da autarquia socialista, Margarida Guedes. Nesse sentido, até ao final de 2018, foram transferidas verbas para a Pinhais do Zêzere destinadas ao pagamento do salário desses trabalhadores, no âmbito de um protocolo entre as duas entidades, para "resolver o problema" da falta de recursos humanos no município, admite
Margarida Guedes assegura a legalidade das contratações. "Se não fosse permitido por lei, a jurista não o teria feito, nem a DGAL [Direção-Geral da Administração Legal] tinha aceitado". A DGAL não respondeu ao JN em tempo útil se aceitou ou não esta operação.
Na reunião de Câmara de outubro, em que foi apreciada a regularização extraordinária de vínculos precários, os dois vereadores do PSD abstiveram-se, o que obrigou Margarida Guedes a usar o voto de qualidade para desempatar, pois o outro vereador do PS também votou favoravelmente e o presidente encontrava-se de baixa.
O vereador João Marques explica que o PSD se absteve por reconhecer a necessidade "urgente" de recrutar trabalhadores. Contudo, entende que a solução passava pela abertura de um concurso ordinário: "As pessoas tinham um vínculo laboral com a Pinhais do Zêzere e não com a Câmara, pelo que a lei dos precários não se aplica a esses trabalhadores, é uma ilegalidade."
O JN tentou contactar ontem os presidentes dos municípios de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pampilhosa da Serra, que também integram a Pinhais do Zêzere, para saber se usaram a mesma solução, mas só conseguiu ouvir Alda Carvalho, de Castanheira, que informou não ter contratado ninguém que trabalhava na associação.
Meteu a filha, o irmão e a cunhada
Com o presidente ausente durante dois meses por doença, coube à vice-presidente, Margarida Guedes, assumir a liderança do município e conduzir o processo da regularização de precários, alvo de suspeitas de irregularidades. Este processo foi ainda motivo de críticas por terem sido integrados nos quadros a filha, o irmão e a cunhada de Margarida Guedes, que trabalhavam na Câmara através da Pinhais do Zêzere.
"Quando cheguei à Câmara, há quatro anos, tanto o meu irmão como a minha cunhada já trabalhavam cá", garante a vice-presidente. "A minha filha trabalha aqui há três ou quatro anos e entrou como qualquer outra pessoa, a ganhar o ordenado mínimo". Considera, por isso, as críticas "pura maledicência", tendo em conta que "toda a gente tem familiares a trabalhar na Câmara", uma das principais entidades empregadoras do concelho.
Outra das questões contestadas prende-se com o facto de os resultados dos concursos terem a mesma data da entrevista aos cerca de 70 candidatos: 7 de dezembro. A vice-presidente explica a coincidência com a atribuição das classificações no final de cada entrevista e com o facto de o júri conhecer as pessoas que trabalhavam para o município.