"A pandemia veio engrandecer a pobreza, que é agora mais abrangente. Há pessoas que estão a receber ajuda que nunca pensaram chegar a esta situação". O desabafo é de Maria José Campos, presidente de Junta de Canidelo, Gaia, que há quase um ano se depara com as fragilidades de famílias que, assoladas direta ou indiretamente pela covid-19, recorrem à autarquia a pedir ajuda.
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"Ajudamos, seja com bens alimentares ou com o pagamento de despesas como a renda ou medicamentos", referiu Manuela Francisco, assistente social da Junta, dando conta de que além dos 100 agregados que já ajudava, a autarquia estendeu apoio "a mais 60".
O trabalho em rede abrange todas as juntas do concelho de Gaia, o mais populoso da Área Metropolitana do Porto. Só em 2020, o Município registou um impacto financeiro de 15 milhões de euros com a pandemia. A esta verba, somam-se 250 mil euros do Programa Gaia+ Inclusiva, que no ano passado acomodou apoios extraordinários e ajudou 1696 famílias.
Aníbal, Catarina e Mariana (nomes fictícios), residentes em Canidelo, reconhecem o valor desta ajuda municipal, numa altura de dificuldades extremas, em que "a vida deu uma volta de um dia para o outro".
Aníbal, 60 anos
"Toda a ajuda é boa"
Aníbal, 60 anos, com problemas de coração e de rins, viu-se reformado por invalidez aos 43. Todos os dias toma 18 comprimidos e faz hemodiálise "três a quatro vezes por semana". Vive sozinho desde que se divorciou e, dos 354 euros que recebe de reforma, 250 são para a renda da casa. "Uma casinha pequena [com problemas de humidade, que a senhoria prometeu arranjar], mas por este valor foi o que se conseguiu arranjar", observou.
Não fosse a ajuda da Câmara de Gaia com o pagamento de 50% da renda, e a vida de Aníbal seria "muito mais complicada".
Já com a pandemia, e o facto de ser doente de risco, passou também a receber as refeições em casa "de segunda a sábado". Uma situação que o deixou "satisfeito". "Para quem não tem muito, toda a ajuda é boa", desabafou, enquanto pedia à assistente social se seria "possível ter ajuda para comprar uns óculos novos".
Catarina, 38 anos
"Cortar em todos os extras"
Catarina, 38 anos, e o marido, ambos professores com vínculo precário, viram-se desempregados "de um dia para o outro". Um tempo "difícil" para um casal a quem nunca faltou nada.
Com uma filha ainda pequena, "a alternativa foi vender o carro, pôr a casa à venda, passar a menina para uma escola pública, cortar em todos os extras". "Nós, os adultos, chegamos ao ponto de só comer sopa ao jantar", confessou Catarina, que nunca baixou os braços.
Mesmo quando depois conseguiu emprego, os 460 euros que recebia "não chegavam para nada".
Foi, então, que a professora recorreu à ajuda da Junta.
"Contas feitas, depois de tudo pago, não sobrava muito para a alimentação", recordou a assistente social, Manuela Francisco, que ficou emocionada quando - por altura do Natal em que a Junta ofereceu um cabaz à família -, ouviu Catarina a dizer "que já não comia bacalhau há dois anos".
"O apoio alimentar reforçado, que passamos a receber todos os meses, foi uma boa ajuda", salientou a professora.
A família chegou a emprestar dinheiro para o marido tirar um curso de segurança, "mas a covid fechou-lhe as portas", contou. Não fosse o casal ter já a casa paga e a professora nem quer "imaginar" que outros cortes teria de fazer.
Já no início deste ano, com os três a testarem positivo à covid-19, a Junta voltou a ser uma ajuda para a compra de medicamentos. "A menina tem pele atópica e só uma pomada custava 36 euros", contou Catarina, ciente que "a vida deu uma volta de um dia para o outro".
Mariana, 39 anos
Ajuda serve para "respirar melhor"
Mariana deixou de trabalhar quando, há quatro anos, a mãe ficou acamada "de vez". A antiga funcionária de uma grande superfície, de 39 anos, ainda tentou ter alguém a tomar conta da idosa, mas os serviços não lhe agradaram. "A minha mãe era costureira e deu-lhe um AVC há 15 anos, deixando-a com 93% de incapacidade", contou.
A decisão de deixar o trabalho foi "difícil" de tomar, uma vez que Mariana perdeu a sua independência económica. Atualmente, mãe e filha vivem com pouco mais de 600 euros, da reforma da idosa e do subsídio por assistência à terceira pessoa. "Só de renda pagamos 402,20 euros e sabemos que vamos ser aumentadas mais 100 euros", referiu a filha, convicta que com o apoio de 50% do valor da renda, atribuído pelo Município, já "respira melhor".
Com a pandemia, a assistente social da Junta de Canidelo nota que "triplicaram" os agregados que procuram auxílio, sendo os pedidos de alimentação e o pagamento das rendas as necessidades mais prementes. "No ano passado, houve necessidade de reforçar o subsídio e, neste ano, temos já 42 famílias para apoiar com o pagamento da renda e mais dez à espera de aprovação", contabilizou.
Parceiros
Rede de apoio local sem mãos e a medir
Maria José Campos, presidente da Junta de Canidelo, enaltece a "rede de apoio local", que nesta altura de pandemia se desdobra para chegar a todo o tipo de pedidos: desde a entrega de refeições em casa, ao ir comprar alimentos ou medicação para quem precisa. Trocar roupa por alimentos, na loja social, é outra forma de ajuda para criar os cabazes alimentares.
Apoios
Três milhões de euros para a pandemia
É o valor que o presidente da Câmara de Gaia estima que o Fundo de Emergência covid-19 venha a atingir este ano, juntando instituições particulares de solidariedade social, clubes e associações.
250 mil euros do Gaia + Inclusiva
O programa que permite o apoio na carência económica e emergência social foi aprovado em reunião do Executivo e será entregue às juntas de Freguesia e a famílias carenciadas.