A solidariedade dos portugueses com o povo ucraniano, na sequência da agressão levada a cabo pela Rússia, não tem limites. No centro de Lisboa, o JN encontrou várias pessoas que são apoiadas mensalmente com alimentação e bens de primeira de necessidade, mas que optaram por doar estas ajudas para os refugiados da guerra.
Corpo do artigo
"Passo aqui todos os dias e olho para o centro de recolha de bens para a Ucrânia e dói-me o coração de imaginar o que eles estão a passar. Por isso, pensei que também devia ajudar", conta Filipa Santos, de 31 anos, à porta da Junta de Freguesia de Santo António (JFSA).
Mãe solteira, com dois filhos de 2 e 5 anos, Filipa confessa que os bens que vai buscar mensalmente à mercearia social "Valor Humano" são "uma grande ajuda". Mas as imagens do horror da guerra tocaram-na tanto, que resolveu este mês abdicar deste apoio.
"Mal ou bem, eu ainda tenho uma casa, uma cama e refeições quentes", diz, comovida, explicando que, mesmo tendo de se apertar um pouco", fica de alma mais cheia. "Acho desumano que as crianças e as suas famílias tenham de passar por isto, por causa do egoísmo de um indivíduo", justifica.
Este mês prefiro dar ao povo ucraniano, apesar daquilo que venho aqui buscar me dar imenso jeito
Também mãe solteira, Ana Paula Carvalho, de 47 anos, é apoiada pelo projeto "Valor Humano" e, tal como Filipa, assume que prefere "apertar um pouco mais o cinto", mas ajudar quem precisa. "Este mês prefiro dar ao povo ucraniano, apesar de me dar bastante jeito aquilo que venho aqui todos os meses", conta a auxiliar de cozinha, que vive com o filho de 9 anos.
Ana Paula diz que as imagens de uma Ucrânia destruída, de crianças e idosos a sofrer, já a fizeram chorar em algumas ocasiões. Por isso, sente-se mais confortável por poder ajudar em algo. "Eu também preciso, mas, neste momento, há quem precise mais do que eu", destaca.
E Filipa concorda. Afinal, diz, "se fosse connosco também gostávamos que nos ajudassem". As duas voltam a casa de consciência mais reconfortada, ainda que ambas de "coração partido". "Como é que se invade um país e se matam centenas de pessoas?", questiona Filipa, enquanto Ana Paula pede que "Deus meta a mão na consciência ao homem [Vladimir Putin].
Independentemente da sua situação económica, as pessoas querem marcar presença e sentir que ajudam quem precisa ainda mais que elas
Atarefado a orientar as recolhas de bens que serão enviados para a Ucrânia, Vasco Morgado, presidente da JFSA, considera que estes casos ilustram bem o que os portugueses são capazes. "Nestas alturas, o caráter solidário das pessoas vem ao de cima. Querem estar ao lado de quem precisa e isso é o mais importante", observa.
No caso da Junta de Santo António, o autarca nota que as doações crescem todos os dias, desde alimentos, a roupas e até brinquedos. E não fica admirado com estes casos em que os que têm menos possibilidades se juntam à onda solidária. "Independentemente da sua situação económica, as pessoas querem marcar presença e sentir que ajudam quem precisa ainda mais do que elas", conclui.
A mercearia social "Valor Humano" disponibiliza bens e produtos de primeira necessidade, a troco de uma moeda virtual: o "Santo António", que é atribuída pelos serviços sociais da Junta. "A ideia é que cada um leve aquilo que efetivamente precisa e que não sofra o estigma de estar a receber um tradicional cabaz de apoio, muitas vezes com produtos que não os mais adequados para o seu agregado", explica Vasco Morgado.