Carrazeda de Ansiães: "Nunca, em 61 anos que tenho, vi apanhar maçãs tão pequenas"
Em Carrazeda de Ansiães a fruta não cresceu devido à falta de água para regar e ao calor.
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As mãos de Alice Sobral e de Constança Lopes são grandes demais para as maçãs que andam a colher este ano, num pomar junto a Selores, no concelho de Carrazeda de Ansiães. Não é que as mãos lhes tenham crescido. A fruta é que não medrou. "Nunca, em 61 anos que tenho, vi apanhar maçãs tão pequenas", diz a primeira. E, por isso, ao invés de irem parar à prateleira do supermercado, vão para a indústria que as vai transformar em sumo.
"É um ano para esquecer", lamenta o proprietário, Luís Vila Real. Os dedos de uma das mãos mal chegam para enumerar todos os males que 2022 destinou aos fruticultores: "escassez de chuva e água para rega, granizo na primavera, ondas de calor sucessivas e escaldão, calibres muito pequenos e custos de produção sempre a aumentar".
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Luís Vila Real é o presidente da Associação da Fruticultores, Viticultores e Olivicultores do Planalto de Ansiães (AFUVOPA), que tem 250 associados. Nem todos os pomares foram afetados da mesma forma, nomeadamente pelo granizo e pelo calor. Não há ainda uma estimativa global das quebras. Todavia, 2022 vai ser ano de lamentar perdas importantes, em alguns casos na ordem dos 80%, no concelho que mais maçã produz a norte do rio Douro. Os 800 hectares de pomares geram, em média, 28 mil a 30 mil toneladas por ano.
Vila Real dá o seu exemplo: "num ano médio, deveríamos produzir 1 200 toneladas. Este ano nem metade vamos conseguir. E dessa metade, se conseguirmos aproveitar 20% para o mercado já será muito. Como se não bastasse, com calibres que são inferiores ao normal".
O preço pago ao produtor pela maçã para o mercado "ronda 30 a 32 cêntimos por quilo". Se for para a indústria fica nos "sete cêntimos". "Não dá, sequer, para pagar a colheita", realça o presidente da AFUVOPA. Com todos os custos de produção (combustíveis, agroquímicos, produtos fitossanitários, etc.) a subirem a situação torna-se ainda mais "desastrosa", agravada pelo facto de "os produtores não conseguirem traduzir esses aumentos no preço final do produto".
Por outro lado, "são as grandes unidades de comercialização que ditam os preços e as condições. O agricultor, ou vende, ou fica com a colheita em casa". Não admira que depois se revolte quando chega ao supermercado e vê o produto "seis ou sete vezes mais caro do que o preço que lhe foi pago".
Uma das principais ameaças da fruticultura é o granizo. Alguns agricultores têm apostado na instalação de redes protetoras sobre as macieiras, mas o método que está a ganhar mais adeptos é a colocação de torres com um canhão que "dispara para o ar cargas químicas que dispersam as nuvens da trovoada e destroem o granizo". Esta solução já foi testada no Douro Sul, nomeadamente nos concelhos de Armamar e Moimenta da Beira (ver peça ao lado), e em Carrazeda de Ansiães pondera-se seguir o exemplo, por ser "uma solução mais económica do que as redes".