Casal de Viana do Castelo ficou sem casa de sonho e sem dinheiro após disputa judicial
Supremo Tribunal considera que o negócio com o imóvel feito pelos anteriores proprietários em 2015 é “ineficaz”.
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O Supremo Tribunal de Justiça condenou um casal de Viana do Castelo a devolver a habitação de sonho, que comprou de “boa fé” há oito anos, por causa de um imbróglio judicial que envolve os anteriores proprietários do imóvel. Ontem de manhã, foram despejados e ficaram sem a casa e sem o dinheiro.
Alheios à contenda debatida nos tribunais, Américo Miranda, de 74 anos, e a mulher Celina, de 66 anos, foram obrigados a deixar o apartamento, sem receber os 100 mil euros que pagaram pela compra. E não têm uma casa própria, uma vez que, após comprarem aquele imóvel, venderam o que possuíam anteriormente para utilizar parte do dinheiro em obras na nova habitação. O advogado do casal, Morais da Fonte, anunciou que vai dar entrada, no Tribunal Judicial de Braga, com uma ação para tentar reaver os montantes desembolsados pelos clientes – as poupanças de uma vida de trabalho.
“Compramos a casa, nunca soubemos de nada e, passado oito anos, recebemos as decisões dos tribunais por onde eles andaram nas nossas costas. Não tínhamos conhecimento” do diferendo entre os antigos proprietários. “Só fomos notificados com a decisão, já tomada em 2023”, contou Celina Miranda, depois de entregar a casa a uma agente de execução. Apesar de terem recorrido da sentença judicial, o desfecho foi o pior e, ontem, tiveram de sair de mãos vazias. “O tribunal deveria ter previsto a devolução do nosso dinheiro. Agora, vamos ver. Isto tem de seguir [nos tribunais]".
O Supremo reconhece “a boa fé” do casal em todo o processo, mas entende que a nulidade do negócio anterior o atinge, face “à ineficácia de toda a cadeia de transmissões (negócios) da fração”. Os juízes consideram que “não estamos perante qualquer negócio nulo ou anulável, mas perante um negócio absolutamente ineficaz”.
Tinha sofrido um AVC
O caso, que tornou a vida de Américo e Celina um calvário, tem cerca de dez anos. Começou quando, em novembro de 2015, uma antiga proprietária concedeu uma procuração a uma sobrinha, que, na posse do documento, vendeu a fração no mês seguinte. O novo proprietário, da zona de Vila Verde, habitou-a durante cerca de dois anos e, em 2017, vendeu-a a Américo Miranda, que se mudou com a mulher nesse mesmo ano, desfazendo-se do apartamento onde até então viviam na mesma zona.
O tormento do casal começou, quando, em 2023, foi notificado pelo Tribunal do litígio que impendia sobre o imóvel, situado no lugar de Abelheira, Barranco, Viana do Castelo. E que foi iniciado por um irmão da antiga proprietária que passou a procuração à sobrinha. O acórdão do Supremo, datado de 29 de abril deste ano e que tornou definitiva a decisão de obrigatoriedade de entrega da fração, confirma a sentença tomada no mesmo sentido pela Relação de Guimarães, que declara ineficaz a escritura de compra e venda da casa, cancelando “todos os registos de propriedade”.
No texto do acórdão, pode ler-se que o irmão e o tutor da antiga proprietária alegou que esta sofreu um AVC em outubro de 2012, que lhe causou “uma doença do foro neurológico com dificuldade de entendimento e facilidade de manipulação”, e ficou com as suas “capacidades cognitivas profundamente diminuídas”. Em 2015, a sobrinha “convenceu-a a assinar uma procuração, constituindo-a sua procuradora” e, com recurso ao documento, vendeu a casa à revelia da proprietária e dos seus familiares. A decisão confirma, ainda, que o novo dono acabou por vender o apartamento, em 2017, por 100 mil euros a Américo.
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Procuração nula
O tribunal declarou a nulidade da procuração, feita em nome da sobrinha da anterior proprietária, assim como a escritura de compra e venda da casa.
“Sem oposição”
O acordão do Supremo refere que o indivíduo que vendeu a casa a Américo e Celina habitou a fração entre dezembro de 2015 e outubro de 2017, “à vista de toda a gente e sem oposição”. O casal que a comprou passou a habitá-la a partir de outubro de 2017, realizou obras financiadas com dinheiro da “venda do seu anterior apartamento por 81 mil euros” e apenas tomou conhecimento da situação, “quando foram notificados” pelo tribunal.