Junta pede ao Tribunal que levante suspensão e autorize utilização do espaço, porque os mortos estão a ser sepultados longe de casa. Queixosos contestam.
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A nova ala do cemitério de Riba de Ave, em Famalicão, está há quase dez anos sem poder ser utilizada por ordem judicial. Em causa estão as queixas de vizinhos que dizem que o espaço não cumpre a lei. Agora, a junta de freguesia local pediu ao tribunal que a deixe utilizar o espaço, evocando que as circunstâncias se alteraram desde que a proibição foi decretada em 2016. No entanto, os queixosos estão contra e argumentam que a proibição deve manter-se até que seja discutida a ação principal.
Os vizinhos reclamam que a área de ampliação do cemitério não cumpre os dez metros de afastamento das habitações, que tapa a exposição solar, viola a privacidade e não respeita as regras de escoamento de águas. Por isso, em 2015, intentaram uma providência cautelar e, nesse âmbito, o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu proibir o uso daquela parcela de terreno para fins cemiteriais. À data, a autarquia pediu a suspensão deste impedimento, mas o tribunal não aceitou e, desde então, ninguém pode ser enterrado no espaço ampliado do cemitério de Riba de Ave.
Volvida quase uma década, a junta de freguesia requereu, novamente, ao tribunal que permita a utilização do espaço até à decisão da ação principal.
Demolir gavetões
No documento enviado ao tribunal, a autarquia solicita a alteração da decisão cautelar e a autorização do juiz para o uso do espaço, com exceção dos gavetões. Alega que houve uma “alteração substancial dos factos”, assinalando que a proibição de utilização do cemitério foi uma decisão de “natureza cautelar e provisória” que o tribunal não previu prolongar-se por quase dez anos.
Depois de pormenorizar o número de pessoas que morreram na vila ribadavense entre 2019 e 2024, a junta refere que, “destas centenas de mortos, a maioria tem sido sepultada noutras freguesias e noutros concelhos e apenas um número muito reduzido foi cremado. Neste momento, a junta vive um momento dramático, sem espaço para sepultar mais corpos”, declara. Para a autarquia, a manutenção da proibição do uso daquela área “priva” a comunidade de sepultar e velar “os seus entes queridos, junto dos seus familiares e próximo dos seus lares e no espaço onde sempre viveram”.
Evoca, ainda, o sacrifício do interesse público e nota que aquela zona do cemitério, “até por força da vegetação que tem crescido, está perfeitamente enquadrada e nem sequer é visível de qualquer uma das casas” dos vizinhos. No mesmo documento, a Junta de Riba de Ave garante que vai demolir o espaço de gavetões, já que a procura é “escassa”. Sendo esta a construção que está mais próxima das moradias, “deixa de ter qualquer impacto visual – ainda que o mesmo seja hoje inexistente, porque a vegetação se interpôs entre a casa e este equipamento”.
Pedem multa
Os queixosos estão contra a autorização do uso da zona de alargamento do cemitério, notando que as circunstâncias evocadas são as mesmas que foram alegadas no início do processo em 2015.
“Não existe alteração quer de facto, quer de direito”, lê-se na resposta dos queixosos, enviada ao tribunal. “Está-se, sem dúvida, na presença de um pedido apresentado muitos anos depois, sem fundamento novo ou relevante, pelo que o mesmo deve ser recusado por preclusão e mesmo abuso de direito”. Os moradores consideram que a pretensão da junta poderia ter êxito “se fossem, pelo menos, articulados factos recentes, não exatamente os mesmos que se conhecem desde há quase 10 anos”.
Por isso, apontam que não existem fundamentos legais para alterar proibição, devendo a junta ser condenada a multa e indemnização “não inferior a cinco mil euros por descarado abuso de direito”. O tribunal começa a discutir este requerimento no início de junho com a audição de testemunhas.