"É um cheiro a podre! Não há palavras para descrever! É isto todos os dias", explica Conceição Silva. Mora em Rates, a 500 metros do aterro da Resulima, situado em Paradela, Barcelos. Está desesperada: não pode abrir as janelas, estar no jardim "nem pensar" e até pôr roupa a secar se tornou -"proibido".
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Este sábado, Conceição juntou-se às cerca de 400 pessoas de dez freguesias da Póvoa de Varzim, Barcelos e Esposende que, à porta da Resulima, se manifestaram contra o "fedor" exalado pelo aterro. Laundos e Rates já fizeram queixa à Comissão Europeia (que co-financiou a obra). A Câmara da Póvoa avançou para tribunal. A Resulima reconhece o problema e pede tempo para resolver.
"Nunca gastei tanta eletricidade a secar roupa. É impossível pôr a roupa a secar cá fora que fica tudo com este cheiro", explica Conceição, garantindo que o "fedor" se sente "a quilómetros".
"Estive emigrado para juntar dinheiro e construir uma casa na minha terra e agora é isto?", questiona Paulo Sá. O carpinteiro, de 35 anos, regressou a Laundos em agosto. Foi "um balde de água fria". "É indiscritível. Dá náuseas. É um cheiro a enxofre, mesmo tóxico", conta. No verão, com o calor, ao cheiro junta-se a "bicheza". Na Zona Industrial de Laundos, ali a dois passos, as empresas queixam-se, no campo de futebol "não se pode com o cheiro", estar numa esplanada "é impossível". "É inaceitável em pleno século XXI. Não conseguimos viver!", remata.
"Estão a poluir a nossa saúde. Não estamos contra o aterro, mas que façam as obras como deve ser", reclama António Serra, que mora ali a 400 metros do "pivete".
Processo em tribunal
O presidente da Junta de Laundos, Félix Marques, foi um dos organizadores do protesto. Na junta, todos os dias, se multiplicam queixas. Está "farto" de reclamar junto da Resulima e, um ano depois, "nada de nada". "A solução só não é possível, porque eles não querem gastar dinheiro. Estão preocupados é com o lucro", frisa.
Os protestos começaram, em janeiro de 2022, mal abriu o aterro. Laundos e Rates - as duas freguesias poveiras vizinhas - encabeçaram a luta. Agora, já são mais oito e incluem populações dos concelhos de Barcelos e Esposende, eles próprios "donos" da Resulima (detida em 49% por seis municípios dos distritos de Viana e Braga).
O mau cheiro chega a sentir-se a oito quilómetros de distância. A Félix preocupa-o ainda a contaminação dos solos e das linhas de água, numa unidade que "nem sequer tem a ETAR em funcionamento".
A Câmara da Póvoa já avançou com uma citação em tribunal contra a Resulima, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) e a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT). As primeiras, depois de terem dado 180 dias à Resulima para resolver o problema, dizem, agora, haver condições para licenciar; A IGAMAOT explica que, não havendo legislação de odores, nada pode fazer.
"Bem-vindos"
Esta manhã, à porta da Resulima, ironicamente, um cartaz dizia: "Bem-vindos". Meia dúzia de funcionários aguardava os manifestantes para "ouvir as reclamações" e mostrar que estão "de portas abertas" e "a tomar medidas" para resolver o problema. A empresa reconhece "os incómodos" e garante que está "a fazer o seu melhor".
"Há equipamentos industriais que têm que ser implementados naquilo que é o tratamento mecânico e biológico. São coisas que não conseguimos resolver de um dia para o outro, mas acreditamos que a situação vai ser resolvida ao longo do ano", afirmou Ana Loureiro, a responsável de comunicação da Resulima.
Conceição não deixa de lamentar: "Se não havia condições, porque é que abriram? Primeiro faziam tudo direito, depois é que abriam o aterro".